domingo, 29 de setembro de 2013

MANUEL DA SILVA MOUTINHO, UM PADRÃO DA IGREJA BÍBLICA

Fizemos um esforço enorme para divulgar este livro, publicado por www.letrasdouro.com. Já percorremos «meio país» e conhecemos pessoas fabulosas, que se identificam com «o espírito da obra». Ontem, dia 28 de Setembro de 2013, com a participação de muitos amigos, fizemos uma apresentação diferente, por razões muito pessoais. Ficam aqui os tópicos respectivos, os quais interessarão a quem se identifica com o espírito deste entre Laços d'Ontem

TÓPICOS APRESENTAÇÃO DE MANUEL DA SILVA MOUTINHO, UM PADRÃO DA IGREJA BÍBLICA EM SENHORA DA HORA, MATOSINHOS, DIA 28 DE SETEMBRO DE 2013-09-09

Nem todos saberão que as minhas memórias de adolescente estão enraizadas em Rio Tinto, Gondomar, onde nasci, fiz a Escola Primária e, aos 11 anos, fui integrado no mundo do trabalho. Essa foi a minha primeira grande experiência de vida, que aos olhos do tempo em que vivemos não faz qualquer sentido: uma criança de 11 anos dada ao mundo do trabalho! Por tão comum que era, quando se esfumaram as ténues hipóteses de poder continuar a estudar, não me senti nem mais nem menos dos que as outras crianças: fiz o que era penoso fazer, mas fi-lo determinado, com orgulho… De certa maneira, sabia que era possível mudar, crescer, valorizar-me… Isso começou quando fiz as primeiras amizades com rapazes e raparigas na Escola Dominical, aí pelos meus 12 anos. A minha vocação para estudar foi estimulada pela vontade de aprender as Escrituras, o que me distinguia, desde logo, de quase todos os rapazes e raparigas que continuaram os seus estudos, mesmo os que preenchiam o meu núcleo familiar mais próximo. Nem todos tinham as mesmas dificuldades que nós e, por isso, continuaram na Escola. Mas nenhum deles estudava a Bíblia! O contacto com a Bíblia fazia a diferença! E foi ela, estou certo, que marcou o meu percurso, embora não tivesse sido fácil conviver com essa realidade, que me discriminava no meio onde nasci e me fiz adolescente. Hoje estou aqui, tantos anos passados, com o coração repleto de alegria por ter tido a «vantagem» de conhecer as Escrituras tão cedo! Na comunidade evangélica Assembleia de Deus do Porto, connosco, agora, nesta iniciativa, descobri todas as bases éticas, morais e espirituais acessíveis a um adolescente.

Nesta circunstância, sem esquecer todos quantos nos foram de exemplo e visitaram na nossa casa, queria evocar a memória de Augusto Cavadinha que, com parte da sua prole, durante muito tempo animou a Escola Dominical de Rio Tinto, a São Caetano, bem como agradecer a Timóteo Pereira, muito jovem, um pouco mais velho que nós, domingo após domingo, nos vinha incentivar a prosseguir no Caminho, ensinando-nos as Escrituras. Tantos anos depois, não se esbateu o eco das suas palavras nem desapareceu a carga da sua influência. Estou feliz por se terem dedicado a esse ministério e por me terem beneficiado de forma estrutural e definitiva. São marcas que o tempo não apaga, são valores que ainda hoje prezamos muito. Lembro-me muitas vezes de Timóteo Pereira e da importância que teve para mim frequentar a Escola Dominical, a S. Caetano, Rio Tinto... É um tempo «estruturante» da minha formação cristã e não só! E dou graças a Deus por essas pessoas tão disponíveis e que aprendiam na mesma escola de MSM. Só não tenho tempo agora, nem será oportuno, para relatar os pormenores dessa influência, que foi decisiva para a minha formação como homem e cristão.Apesar do tempo decorrido, estando aqui como autor dum livro que tem por base o ensino dum homem daqui, que se esforçou em favor do ensino da Bíblia, não podia deixar de homenagear os que nos fizeram tanto bem! 

Há uma outra nota que não posso deixar de vos comunicar: apesar dessa oportunidade de excelência, que foi a Escola Dominical, o meu percurso não teria sido o que foi se os horizontes dos meus 15 anos não se tivessem alargado e os meus olhos não tivessem vislumbrado um futuro melhor fora de portas, noutro contexto de Portugal, em África. Foi de lá que, a breve trecho, voltei para, durante seis meses, dar continuidade e aprofundar a formação que aqui me deram, enquanto aluno da Escola Dominical. Noutras circunstâncias, não teria tido oportunidade de aprender tanto em tão pouco tempo, nem se me teriam aberto os «olhos da mente», deixem-me dizer assim, para o futuro que tinha pela frente! Aos 16 anos, regressei de África, sozinho, para frequentar uma Escola, em Lisboa, na qual, por regra, só se admitiam adultos! E a vantagem maior é que a matéria de estudo essencial era a Bíblia! Antes de estudar outras coisas, de aprender o que no Liceu e na Faculdade se ensinava, estudei a Bíblia, que, agora, voltou a ser a minha grande motivação! Todos compreenderão por que quis muito estar aqui hoje, convosco. Não apenas pelo que vos disse já, mas também pela vontade de partilhar algumas das razões por que escrevi este livro. Os que me conhecem esperariam que escrevesse sobre questões jurídicas, o que é natural visto que a minha vida adulta está relacionada com o mundo do Direito. Na verdade, sobre questões jurídicas escrevi mais páginas do que jamais lograrei escrever sobre quaisquer outros temas. Foram milhares de processos, mais de 30 anos a laborar sobre e a propósito do Direito. De certa maneira, foi a propósito duma questão jurídica que publiquei o meu primeiro livro – «Assembleia de Deus OU Igreja do Jubileu» - que alguns dos presente terão lido.

E quais são então essas razões? A amizade e a homenagem. Não fui amigo próximo de MSM. Víamo-nos de vez em quando, e ele nem sequer tinha lembrança dos tempos que mais adiante referirei. Eu participava, como assessor jurídico, em várias reuniões de trabalho em que ele estava presente, e depois da publicação da Lei 16/2001, de 22 de Junho (A lei da liberdade religiosa) a igreja a que presidia solicitou os meus serviços para que lhe fosse conferido o Estatuto de Pessoa Colectiva Religiosa. Depois disso, durante o ano de 2004, colaborei na Edição do seu livro «Práticas da Igreja Local», que foi publicado em Outubro de 2004. Ele soube reconhecer o meu empenhamento e, um dia, escreveu-me uma dedicatória: «Ao Dr. José Martins, um abraço com gratidão profunda pela cooperação desta Edição. O autor: Manuel da Silva Moutinho, 02/10/04). Fomos falando do passado, das nossas raízes, das experiências dele enquanto Ministro do Evangelho na região do Porto e no Norte do País, nos anos sessenta, do seu muito amigo João Sequeira Hipólito, com quem foi co-pastor da Assembleia de Deus do Porto… Foi por essa altura que ele foi à descoberta nos seus arquivos pessoais duma foto que documentava um facto muito importante na minha adolescência e no qual, na minha lembrança, ele teve uma participação decisiva: o meu compromisso público de querer ser discípulo de Jesus Cristo, custasse o que custasse… Isso sucedeu no dia 8 de Dezembro de 1965, um ou dois dias antes de rumar a Luanda, por onde haveria de ficar cerca de 10 anos… Depois disso, em 2006, MSM dedicou vários dias a ensinar na Igreja AD de Almada e, desde logo, se assumiu que ele apresentaria em livro, com a nossa colaboração, o resultado desse estudo, que foi gravado na íntegra. 

Entusiasmado com o êxito do livro «Práticas da Igreja Local», em Portugal, e da publicação recente duma sebenta no Brasil, onde fora conferencista, decidimos preparar o original e publicar a obra, que foi editada em Novembro de 2007 com o título «Ensino, organização e governo da igreja», na qual incluí, com a benevolência do autor, um apêndice designado «Breves notas sobre a organização, estatuto do ministro do culto e igreja radicado». Ele estava em Aveiro, depois duma longa jornada de mais de 50 anos ao serviço da causa que abraçou na adolescência. Esse trabalho editorial surgiu no meio do que estávamos a preparar em relação à conferência que graváramos em Fevereiro de 2006. A ideia era publicar esse trabalho em dois volumes. O primeiro, de cerca de 75 páginas A4, resultado do nosso trabalho de audição dos CDs e da composição do texto respectivo, enviamo-lo para leitura, comentários, notas, etc. em ordem a aferirmos da bondade da nossa interpretação do que estava gravado… Ainda insistimos e sempre nos disse que procuraria a pasta que lhe entregáramos para dar continuidade ao trabalho com que nos havíamos comprometido… Meteu-se pelo meio o trabalho que acabou por ser publicado em 2007 e o tempo foi-se passando. Foram-nos chegando notícias de que a sua disponibilidade para trabalhar ia diminuindo até ao ponto de já não dever ser incomodado… E o tempo é assim, inexorável: o que fica para trás para trás fica e não é recuperável. Foi o caso… Nos moldes em que havíamos combinado, já não era possível levar adiante o projecto, tanto mais que nem sequer lera o que lhe mandáramos como ideia para o primeiro volume da obra…

Foi no final de 2011, precisamente em 4 de Novembro de 2011 – o dia do aniversário da minha mulher, e por essa razão sempre presente… - que MSM terminou o seu percurso terreal. Estávamos em Paris, com os nossos filhos e neta… Nessa altura ficou definitivamente fora de questão o projecto gizado há cerca de 5 anos. Só que, no meu íntimo, comprometi-me a erigir-lhe um memorial. Não sabia como, mas a ideia de escrever este livro foi-se formando, paulatinamente… Voltei a escutá-lo, horas a fio, na gravação que fizéramos. Não tardou que nos convencêssemos que seria um «crime», um acto de puro egoísmo, desperdiçar esse património, mantendo-o no arquivo disponível apenas a um restritíssimo número de pessoas que admiravam o seu ministério de pastor e mestre… Assim surgiu «Manuel da Silva Moutinho, Um padrão da igreja bíblica» em homenagem mas, especialmente, como marco ou memorial para perpetuar o ensino de décadas. É que, como sabem os que já leram o livro e constatarão aqueles que o ainda o lerão, uma parte substancial dele, diria mesmo a parte mais importante e significativa, pretende ser um contributo para entender o que ensinava, mas também pretende ser uma espécie de resenha do pensamento teológico e doutrinário dos evangélicos pentecostais que aportaram ao nosso País, logo depois da queda da Monarquia e da primeira grande alteração das condições legais e sociais em que se podia exercer a actividade religiosa cristã fora dos limites de acção da Igreja tradicional. Como sabemos, antes disso, a acção religiosa cristã reformada era reservada, essencialmente, aos estrangeiros residentes ou a trabalhar em Portugal, embora nas Colónias, como em Angola, por exemplo, depois do «Mapa Cor-de-rosa», muitos evangélicos americanos e doutras nacionalidades tivessem aproveitado a maleabilidade do regime, impotente para impedir nesses territórios a força evangelizadora que já actuava nos territórios vizinhos…

Desta maneira, homenageando o pastor, o escritor, o músico, o homem e o seu labor, afinal, esteve no nosso espírito, permanentemente, o contexto sócio-religioso em que se formou e movimentou e a vontade de lhe perpetuar o ensino em prol dos que foram seus amigos, irmãos na fé, dos que gostavam das suas prosas, dos seus poemas, das suas prelecções, das suas músicas, da sua maneira de ser, de servir, de partilhar e de muitas outras facetas da sua personalidade e competência, em prol das gerações dos filhos e netos dos que o conheceram pessoalmente e foram influenciados pelo seu ministério pastoral, mas também das gerações dos que ainda não sabem ler e dos que ainda hão-de nascer. Um livro tem essa projecção para o futuro, para o infinito. E permite que façamos esta objectiva prognose: muitos que viram em MSM o exemplo do homem estudioso das Escrituras e apaixonado por fazê-las conhecidas e postas em prática entusiasmar-se-ão certamente na leitura do que ensinou e quererão manter viva a memória dum que, não sendo perfeito, como nenhum de nós o é, foi exemplar e pôde reclamar e fazer sua a expressão conhecida de São Paulo: «Sede meus imitadores como eu sou de Cristo». É um vaticínio, mas não assente em dados aleatórios. Estamos convencidos de que os leitores vão consensualizar, face à obra em si - não à apreciação que dela possamos fazer - que o que escrevemos pode ser importante para afirmar a ideia fulcral de que homens como MSM estão já no rol dos que não morrem, pois alcançaram o estatuto da imortalidade no seu sentido mais amplo, ou seja, no sentido dos que reconhecem que, em Deus, permanecem para sempre! Ou dito doutro modo, se preferirem, no sentido em que MSM cria e ensinava de que não se morre, vai-se ao encontro da eternidade que Jesus Cristo assegurou para os que n’Ele crêem, mas também no sentido de que, pelo seu exemplo, se alcandoraram ao estatuto de herói da fé, em cujo exemplo se podem inspirar aqueles que estão a caminho, ou ainda pretendem entrar no Caminho, que leva às moradas celestiais. 

Deixem-me dizer-lhes, a talhe de foice, que a galeria dos heróis da fé pertence às pessoas comuns que quiseram ouvir a voz de Deus e obedecer-lhe, não para idolatricamente as invocar, mas para lhes seguir o exemplo. E a própria exemplificação bíblica que preenche a chamada «galeria dos heróis da fé» não é taxativa, embora comummente preferiramos olhar para ela e não ver ninguém de carne e osso, antes pessoas sem mácula. É que os heróis que estão perto de nós ou que conhecemos têm alguns defeitos e nós convivemos mal com isso – os exemplos que queremos como modelos têm que ser perfeitos! Desiludamo-nos! Foi também por isso que escrevi este livro, para evidenciar que não há pessoas perfeitas e nem dos estão na Galeria dos heróis da fé se diz que eram perfeitos, como poderão sê-lo aqueles que conhecemos e com quem convivemos!? Mas são seguramente inspiradores no seu exemplo e encorajadores para prosseguirmos num certo rumo. MSM tem esse perfil inspirador e encorajador! Voltaremos, mais adiante, a este tema, se o tempo no-lo permitir. Agora retomo ao tópico donde me desviei algures, neste meu entusiasmo de falar-vos do exemplo que os homens podem ser uns para os outros - as razões por que escrevi este livro. 

Há uma outra, que tem grande importância sociológica e prende-se com o momento histórico das Assembleias de Deus em Portugal, a que MSM sempre pertenceu e a que deu grande contributo para a sua afirmação entre os portugueses cá e noutras partidas do mundo por onde viajou e havia portugueses ou falantes da nossa língua. Com efeito, hoje, aqui, ainda estamos, de certa maneira, no contexto do centenário do Movimento Pentecostal apesar de já se terem realizado as iniciativas previstas pelos respectivos responsáveis. Em rigor, o que interessa é o espírito das comemorações, tanto mais que no ano passado, aqui no Porto, se realizou uma grande manifestação de pré-centenário. Aliás, foi nessa actividade que, pela primeira vez, este livro foi referido e esteve disponível para quem o quis ter na sua biblioteca, por desejo nosso, honrando desde logo as origens de MSM. 
Eu disse centenário? Sim, disse, mas permitam-me uma palavra sobre isso. Até porque interessa para o contexto e compreensão do ministério de MSM. Em 1974, sob o alto patrocínio de Tage Stählberg e João Sequeira Hipólito, que eram, a par de José Oliveira Pessoa, Durval Correia e outros, pessoas muito conhecidas - eram-no seguramente da maioria dos que estão aqui hoje -, as pessoas mais «ouvidas» no Movimento, celebrou-se o cinquentenário. Se revisitarem a revista Novas de Alegria desse ano, para lá dos temas adstritos à liberdade, antes e depois do 25 de Abril desse ano, o que mais importante foi escrito refere-se à celebração do cinquentenário… Se fizerem as contas, o centenário só poderia ocorrer em 2024, precisamente dentro de 11 anos! Há nesta mudança de paradigma, consciente ou inconscientemente, a primeira divergência de fundo geracional que não tem, contudo, raiz doutrinária. Como sabemos, se uns trouxeram as raízes do Movimento Pentecostal do sul do país, onde foi aberta ao público a primeira Casa de Oração, dita Assembleia de Deus, em 1924, com José de Matos, que tinha vindo do Brasil, onde estivera emigrado e conhecera o Evangelho com ênfase na manifestação contemporânea do Espírito Santo, na sua expressão glossolálica, outros acabaram por encontra-las, mais tarde, no norte do País, com Plácido da Costa, também ele vindo do Brasil, e que anunciara o Evangelho no início da segunda década do século passado em Valezim, donde era natural e, depois, no Porto, onde veio a ser pastor, já nos anos trinta.
Nada mudou, porém, quanto à razão das comemorações pois, em substância, o Movimento Assembleiano merece todas as referências elogiosas e todas as manifestações de índole religiosa, espiritual, social e cultural pela importância que teve durante grande parte do século passado, em particular nos anos anteriores à Revolução de Abril, chamemos-lhe assim, e nas duas décadas posteriores, sem prejuízo daquela que continua a ter apesar da sua diferente configuração e influência. Apenas se consideram momentos diferentes para estabelecer o início da acção missionária pentecostal (em ambos os casos estamos a falar de homens que vieram do Brasil, depois acolitados pelos que vieram da Suécia) sendo que aquele que agora é marcante (o requisito pró centenário) tem a vantagem da proximidade em relação ao fogo que se acendeu nos EUA em 1906 e no norte do Brasil, pouco depois, por intermédio de Daniel Berg e Gunnar Vingren, percursores pentecostais nesse país irmão e responsáveis directos do que veio a suceder em Portugal. 
Seja como for, estamos a celebrar um momento alto, com grandes repercussões espirituais, morais, sociais e culturais entre os portugueses residentes e entre os que emigraram mas também entre os irmãos de língua em África e no Extremo Oriente, como, por exemplo, Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Timor. Na verdade, não tenho ideia completa, e penso que poucos a terão, do que este Movimento do Espírito Santo contribuiu para a formação de convicções cristãs mais esclarecidas pelo acesso irrestrito que logrou promover à leitura e exegese pessoal das Escrituras Sagradas, em nome do direito de participar do chamado sacerdócio universal e à luz dos ensinamentos dos que receberam melhor iluminação do Espírito Santo de Deus, mas também para a formação de consciências cívicas de homens e mulheres que se tornaram mais capazes de se entregarem em prol da salvação do nosso povo. Ora, esta nota relativa à génese do Movimento e às comemoração realizadas, e sobre a qual os meus queridos amigos já estarão a perguntar-se que préstimo tem no contexto da apresentação deste livro, faz todo o sentido, pelo menos para mim, como mais adiante veremos. 

Há dois aspectos que me parece importante destacar em relação às seis primeiras décadas, para incluir os seis anos posteriores a Abril de setenta e quadro: por um lado, a perseguição religiosa, o poder político retrógrado e as ameaças extremistas; por outro, a incompreensão dos cristãos reformados, até à década de sessenta, aproximadamente, acerca da dimensão espiritual dos pentecostais. Especialmente depois do Movimento começar a ter alguma visibilidade à volta das cidades de Portimão/Lagos, Évora/Estremoz, Lisboa e Porto intensificaram-se as perseguições aos crentes manifestamente activos na divulgação do Evangelho, sob nova e dinâmica perspectiva. Tais acções persecutórias eram incentivadas pelos responsáveis religiosos locais que invectivavam os novos crentes como se tivessem moléstia e a pudessem espalhar no arraial… São às centenas, aos milhares, do Norte ou Sul do país, os casos em que evangelistas, pastores, missionários em geral eram impedidos de se reunirem e ou ameaçados na sua integridade física e nos seus bens. 
Podíamos coligir mãos cheias de exemplos. Relembremos um curto rol de situações conhecidas. Há tempos estive em Rio Maior a apresentar este livro na Biblioteca Municipal. Recordei ao numeroso auditório experiências do avanço regional da pregação e indiquei o nome de várias localidades onde a recepção não correu bem. Em Cidral, perto da cidade de Rio Maior, nos anos 50, alguns elementos da população receberam os pregadores das Boas Novas com uma «chuva de pedras» e muitos impropérios. Em Casal do Pardo, também nas redondezas de Rio Maior, os pregadores das boas novas transformaram uma taberna numa casa de culto, pois os taberneiros haviam-se convertido. Alguns elementos da povoação, alegadamente em nome de todos, fizeram ameaças de morte aos responsáveis pois preferiam a taberna aberta do que os crentes a cantar… Uma ocasião, algumas pessoas do lugar apanharam um dos crentes, homem casado e com cinco filhos, e deram-lhe tantos socos que, passados alguns dias, mal podia respirar. Estes casos estão relatados na imprensa da época, não são idealizações nossas. No fim dessa sessão, veio ter comigo um homem, que me disse: «Esse crente que referiu, que levou os socos, era o meu pai! Ficou muito maltratado…» Estive em Castelo Branco e relembrei as experiências dos médicos ingleses, que também eram missionários, Drs. Colin Bowker e Margarida Bowker. Ainda estavam na memória de muitos e alguns lembravam-se do sofrimento por que passaram na Covilhã, Fundão e arredores. Eles e os que continuaram, mais tarde, o seu trabalho evangelístico, tiveram que fugir à frente de enxadas e forquilhas… Aqui, mais acima, em Chaves, por exemplo, quando apareceram os evangelistas, os responsáveis religiosos locais logo chamaram a atenção das populações para a presença dos gafanhotos… Não precisamos de investigar muito para saber algo acerca desses tempos difíceis. Basta ter à mão a Revista Novas de Alegria do transacto mês de Agosto e ler a história de Filipe Lopes Teixeira, agora com mais de 80 anos. Quando tinha cerca de 10 anos, foi com o pai à missa, para corresponder ao desejo do seu avô, e na homilia o Abade Fraga disse: «Meus caros irmãos, chegou a esta terra uma praga de gafanhotos». Depois explicou a quem se referia e o mal que faziam: «Essa praga são os protestantes!» E relata ainda o assédio posterior por ter passado a ir à Casa dos protestantes… Também em S. Julião, Chaves, em 27 e 28 de Julho de 1968, alguns opositores à presença dos crentes assembleianos manifestaram-se de modo violento «furando com forquilhas e cortando pneus do carro do irmão Moutinho», que era convidado da Igreja Local e acompanhara, ao acordeão, os cantores presentes.
Mas as dificuldades também vieram donde não se esperavam para desacreditação dos pentecostais e da mensagem com enfâse nos sinais da intervenção de Deus, como a cura divina das enfermidades. Na verdade, o Movimento Pentecostal, que na origem não era denominacional, mas um simples movimento do Espírito, não encontrou receptividade por parte das denominações evangélicas há mais tempo a trabalhar na evangelização de Portugal. Foi necessária persistência para não abrir «frentes de luta fratricidas», digamos assim, capazes de anular a acção dos evangélicos em geral. O protestantismo tinha já referências antigas e algumas delas marcantes. É sabido que João Ferreira de Almeida, o tradutor da Bíblia para a nossa língua, do século 17, é citado por alguns estudiosos como o primeiro português a abraçar publicamente o protestantismo, na Ilha de Java, e Francisco Xavier de Oliveira como o segundo, no século 18. Mas a primeira congregação protestante foi organizada pelo Dr. Kalley, em meados do século 19, em território português, a Igreja Presbiteriana do Funchal. Em 1871, uma outra Igreja protestante é organizada em Portugal, desta vez no Porto: é a Igreja Evangélica Metodista Portuguesa. A terceira igreja cristã não católica de Portugal é de 1880, a Igreja Lusitana, formada segundo o modelo anglicano. Nesta parte final do século 19, surgiram outras denominações protestantes como os Irmãos em 1877, os Congregacionalistas em 1880, os Baptistas livres em 1888 e os primeiros pentecostais perto dos anos 20 do século passado (já vimos atrás que desde 1924 havia uma Igreja Pentecostal no Algarve, mas antes disso houve acção evangelizadora desde 1913 de acordo com a nova matriz subjacente à celebração do centenário).
O que queremos com este enquadramento é sublinhar que os pentecostais iniciaram a sua acção em «concorrência» directa com essas igrejas e durante cerca de 20 anos «foram considerados uma seita, sem comunhão com o Protestantismo». Apesar dessa falta de reconhecimento no «seio da própria família», por via da evangelização activa, envolvendo as famílias, a forma simples, viva e acessível de cultuar, a ênfase na cura divina e na manifestação do poder do Espírito Santo, as Assembleias de Deus cresceram e tornaram-se a referência cristã-evangélica mais importante do nosso país.

E que relação existe entre esta síntese referente ao Movimento, às suas dificuldades iniciais de afirmação, às perseguições e atropelos à liberdade de cada um se identificar com as suas doutrinas e práticas, e o livro «Manuel da Silva Moutinho, Um padrão da Igreja Bíblica»? A nosso ver, são «farinha do mesmo saco», ou seja, a obra pretende, através dum exemplo de vida, dar uma imagem do que foi necessário fazer para chegar aonde se chegou, a tudo o que está subjacente e patente nas comemorações do centenário. Não foram apenas os médicos ingleses, pioneiros na evangelização pentecostal na região Oeste, da Amadora a Torres Vedras e, depois na Beira Baixa, nem os missionários suecos, que enfrentaram os perseguidores e desfizeram a incompreensão dos críticos, respectivamente; foram também alguns jovens oriundos da classe média baixa e das camadas sociais mais humildes, que ingressaram nas fileiras do Movimento Pentecostal e deram a vida para o levar adiante e implantá-lo, até onde foi possível, no território nacional. MSM foi um desses. O contexto social e familiar donde veio, nos anos 40, aqui no Município de Matosinhos, em Custóias, era humilde, do operariado da época, muito sensível às mazelas sociais que vitimavam muitos jovens, conduzidos pelas influências predominantes para a prática do jogo, para o alcoolismo, para a idade adulta sem perspectiva de evolução social, considerando o nível de educação expectável e a ausência de condições de progresso económico. Aliás, bem se viu o que aconteceu na década de 60, quando já eram homens feitos e o destino padrasto que a história lhes reservou: a emigração e a guerra em África. Sim, porque não foram os filhos das classes sociais abastadas que fizerem a guerra em África ou se dirigiram, de sacola às costas, aos países do Centro da Europa… Mas a diferença esteve, tantas vezes, na atitude que se tomou em relação à mensagem promissora que os pentecostais espalhavam pelo país, em geral nas casas, nos trabalhos, nos locais de encontro destas famílias das classes populares disfuncionais, carentes economicamente, onde a figura paterna se dava ao luxo de disciplinar com violência, que levava ao cúmulo o que hoje, socialmente, é tão abertamente criticado – a violência doméstica. Umas vezes a mãe, outras vezes o pai dessas famílias tiveram essa oportunidade singular de alguém lhes anunciar a Boa Nova, que os revolucionou para serem também agentes de mudança. Muitos confundiram isso com «deslealdade» às tradições religiosas predominantes e justificavam, assim, o ostracismo a que votavam os neófitos da nova Causa. As crianças, na escola, no trabalho, ou nos ambientes de diversão onde estivessem, eram as primeiras a sofrer o impacto da opção do pai ou da mãe e isso, à época, significava afastamento quase certo dos caminhos possíveis de acesso a melhor educação com recurso aos meios quase sempre nas mãos ou sob influência da igreja tradicional. Eu gostava que lessem, oportunamente, o testemunho do próprio MSM sobre esta questão tão importante que de certa maneira nos dá nota do paradigma da época: o seu próprio ambiente familiar, em criança, as circunstâncias adversas à família, o resultado vivificador da mensagem evangélica, a mudança drástica operada e a luz que acendeu para ampliar o horizonte do próprio, antes confinado ao destino comum de reprodução das mesmas condições sociais. Leiam! 

Às vezes, não valorizamos como devíamos as consequências da adesão total ao Evangelho, quando ela ocorre na infância ou na adolescência: nada será como dantes! Deixem-me explicar: é do conhecimento comum que as circunstâncias familiares e sociais tendem a replicar-se se não se introduzirem correcções de trajectória, que podem ser apenas de pormenor ou implicar mudança de rumo do género «se vamos para norte, damos meia volta e começamos a marchar para sul, ou vice-versa»! Quando o futuro se limita ao que a vida proporciona hoje é porque foi eliminada a capacidade de sonhar e não se quer mudar de rumo… A descoberta dum sentido novo para a vida alimenta permanentemente a vontade de o aprofundar porque isso significa poder atingir um estádio de felicidade pessoal inimaginável. Muitas vezes, essa felicidade pessoal depende da rendibilidade do investimento que se faz na vida de outras pessoas. E para fazer os outros felizes – de modo a que o sejamos nós próprios – é necessário ir ao encontro deles, conhecê-los e dizer-lhes que queremos ser felizes com a felicidade deles! A felicidade pessoal é um mero exercício de egoísmo se a queremos realizar sozinhos… Aliás, é um exercício egoísta e estúpido pois a felicidade a sós é de todo impossível! O homem é social, gregário, tem necessidades espirituais e emocionais que estão muito para além da mera sobrevivência física, com pouco ou muito pão, o mesmo é dizer sendo rico ou pobre. Foi a descoberta feliz de MSM que projectou a sua realização pessoal, vislumbrou o seu futuro novo, delineou o percurso da vida, não em função do seu «berço», mas em função da cama em que queria dormir, perdoem-me a imagem. Ou seja, com a revelação do Evangelho na perspectiva evangélica, apesar das dificuldades inerentes, das que vos falei e outras semelhantes, nasceu a vontade de influenciar o curso do mundo, melhor, influenciar a cosmovisão geral, o que é sempre possível a partir da experiência pessoal assente num quadro de valores testados e que constituem a mola impulsionadora de qualquer arauto da Boa Nova. No caso, fora a experiência pessoal com Cristo e o reconhecimento de que o discípulo deve obediência ao Mestre que o imbuiu do espírito da missão que se cumpre todos os dias, até ao limite das forças ou da existência física. 
Mas a missão de ser feliz com os outros implica preparação exigente para não desanimar ou desistir a meio da tarefa. O meu livro dá conta da dedicação de MSM, desde que se apercebeu do seu papel no seio da comunidade cristã que o acolheu e formou - esta, precisamente, aqui do Porto. E preparou-se, aprendendo com os mestres locais a teologia, a doutrina, a música e o canto, frequentando, ainda, a Escola Bíblica anual em Lisboa, onde os contactos com outras realidades, nacionais e estrangeiras, lhe ampliavam a visão do mundo e o conhecimento das matérias teológicas e doutrinárias com que lidava no dia-a-dia, localmente.

Não é possível fazer aqui, nem em síntese, a descrição das temáticas de interesse comum abordadas ao longo do seu ministério e que constam do meu livro. Nem me vou substituir aos leitores na descoberta das grandes linhas orientadoras deste homem singular, que está, sem dúvida, incluído na Galeria do Heróis da Fé, daqueles que não morrem, daqueles que, pelo que deram aos outros, se imortalizaram, cujo estatuto não se idolatra, mas serve de inspiração, de exemplo. Mas uma ideia fulcral, na qual pessoalmente me revejo e inspiro, para construir a minha felicidade pessoal com os outros, é a da Igreja Bíblica. É sabido que a Igreja é uma instituição divina e tem vocação universal. É sabido que, ao longo dos séculos, a igreja tradicional tem como sua, exclusivamente, essa vocação. Mas não é de organizações propriamente ditas, ou de concorrência de igrejas entre si, partindo da mesma matriz ideológica, que interessa falar, e não era disso, portanto, que MSM falava. Ele queria ser, e foi-o, sem dúvida, um arauto da Igreja Bíblica, cujo conceito definiu de forma muito singela, mas também muito clara: a Igreja Bíblica é como uma aeronave com um só motor e duas asas, em que o motor é a Bíblia, toda a Palavra de Deus, e as duas asas são a fé e o amor! Hoje, recordar o seu exemplo e valorizar o património espiritual legado não pode ter outro significado: A Escritura, toda a Escritura, o anúncio da fé salvífica em Jesus Cristo e a vivência do amor fraternal (hoje é ainda pertinente dizer, como nos foi ensinado há dois mil anos atrás, que não pode amar a Deus aquele que não ama o seu irmão). Mais. Essa valorização dependerá sempre de o discípulo adoptar uma atitude semelhante à do mestre: aprender sempre com os melhores, desenvolver esforçadamente todos os talentos e dons, ler, estudar e meditar, intensamente. 

Se passarmos os olhos pelo que escrevi, facilmente compreenderemos que só trabalhando arduamente se podem vencer as muitas oposições que se levantam para anular a liberdade conquistada com a revelação cristalina das Escrituras. Não basta ter uma ideia, é preciso lutar por ela: semeá-la, regá-la, podá-la, colher os frutos, diríamos, à semelhança do lavrador que lança a semente à terra e cuida que produza em recompensa do seu trabalho e dedicação. Criar as condições para fazer vingar uma ideia pressupõe muito labor. Tratando-se da sementeira que visa dar frutos para a eternidade, muitas vezes é preciso combater, pelo diálogo amoroso, com misericórdia bastante, as ideias feitas, dogmatizadas, mas sem substracto escriturístico. O que é difícil porque acirra o ânimo de quem antes semeou má semente e não quer ver questionada a tradição ou a relativa acalmia de quem descansa no que está dito e é repetido rotineiramente, por falta de incentivo para pensar, ou por falta de incentivo para procurar a verdade. Não nos iludamos: hoje já não há gente ancorada em homílias domingueiras com vontade de ir atirar pedras a quem se arroga a qualidade de discípulo de Cristo e quer dar testemunho da sua fé; já não há quem se acoite a coberto da noite para lançar impropérios; já não haverá quem, na cobardia da ausência do dono veículo, se apronte para furar pneus; já não haverá, manifestando o primarismo da reacção fanática contra a propagação da Bíblia e da prática evangélica, quem, de cara descoberta, se apresente com forquilhas e sacholas a amedrontar os mensageiros. Enfrentar essas atitudes, sem desistir, exigia coragem esclarecida, diria, exigia a coragem da convicção de quem sabia estar a cumprir uma ordem, aquela que todos os discípulos, em todos os tempos, ouvem clarissimamente: «Ide e anunciai». 
Vemos essa coragem, iluminada pelo estudo e meditação das Escrituras, na acção concreta de homens como aquele que homenageio com o meu livro. Não houve tradição ou dogma que não esmiuçasse, convicto da verdade Escriturística; não houve apelo que não fizesse aos do seu tempo para que dessem ouvidos ao recado de Deus; não houve esforço que não fizesse para manter unidos os que se foram juntando nas comunidades cristãs do país inteiro e do Mundo por onde andou. Ele tinha uma ideia, uma missão, um combate que devia travar. 
Parece-me que, com o mesmo denodo, saber, coragem e espírito de missão, é preciso, hoje, na ausência de inimigos confessos ou adversários declarados, lutar contra a indiferença, quiçá a batalha mais difícil de travar. Na verdade, a resposta aos que reagem à mensagem anunciada, seja qual for, tem de corresponder ao objectivo primeiro de os conduzir à Verdade; mas a resposta aos indiferentes, que não reagem ou pactuam, por serem sempre «politicamente correctos», ficarem de bem com todos e não se denunciarem como potenciais oponentes, é a mais difícil de todas! Mas também na determinação da vida deste homem, na sua preocupação constante em servir o semelhante, apresentando-lhe a «obra amorosa de Cristo», é possível encontrar inspiração para responder a essa doença moderna que fecha as portas à pregação ou simplesmente conforma-se com ela como se conforma com qualquer outra mensagem, seja filosófica, seja religiosa, seja de que outra natureza for. Alguém disse: «Não são os agressivos, nem os tristes, nem os revoltados que me assustam, antes os indiferentes.» Estou certo que muitos concordarão que pelo seu saber, pela sua dedicação, pela direcção e inspiração do Espírito de Deus, MSM deixou sinais, marcas, matrizes que podem servir de estímulo aos que se querem distinguir como arautos da Mensagem que gera nos «filhos das trevas» agressividade, tristeza e revolta e à qual não é fácil ficar indiferente! A indiferença anula a capacidade de procurar o novo, de investir no esclarecimento do que não se sabe, de iniciar a descoberta do caminho para a Casa do Pai… 
Nós, que aqui viemos hoje, devemos aprofundar o conhecimento da vida e obra deste homem, que não foi perfeito mas, pelo seu exemplo, ainda hoje nos inspira e desafia para sermos seus imitadores como ele foi de Cristo. Esta é uma velha máxima de Paulo, com grande cunho pessoal, mas não é exclusiva. Todos temos o dever de pugnar por atingir esse patamar de vivência cristã no qual nos permitamos dizer que somos imitadores de Cristo e não defraudaremos quem, seguindo o nosso exemplo, o quiser ser também!

Já nos alongamos, provavelmente, para além do razoável e por isso nos penitenciamos, mas ainda temos uma outra palavra, mais pessoal, que queremos partilhar. Não quisemos falar do nosso trabalho, como repararam. A nossa obra, seja qual for, mais ou menos reconhecida socialmente, deve ser valorizada pelos outros, pelos destinatários dela. Objectivamente, um escrito tem destinatários directos, que são aqueles a quem pensa o autor poder imediatamente ser proveitoso. Mas, às vezes, acontecem surpresas e o universo dos interessados alarga-se de tal modo que a apropriação tende a ser universal. Sinceramente, gostaria que este livro interessasse, como antes referi, aos que conheceram MSM, aos que foram seus amigos, aos que foram seus irmãos na fé, aos que gostavam das suas prosas, dos seus versos, das suas prelecções, das suas músicas, da sua maneira de ser, de liderar, de servir, de partilhar, de ensinar e de muitas outras facetas da sua personalidade e competências. Mas, essencialmente, gostaria que o livro entusiasmasse os que viram nele um exemplo de homem estudioso das Escrituras, apaixonado pelo trabalho de as fazer conhecidas e praticadas. Todavia, só mais tarde, quando for possível recolher as opiniões dos leitores se saberá que caminho o livro percorreu e a que mãos e corações foi parar! Esses terão a palavra decisiva. Leram, reflectiram, fizeram um juízo; por mais pessoal e subjectivo que seja, é sempre esse juízo que vale para a avaliação do trabalho do autor e é pela soma desses muitos juízos que aguardo, serenamente. 
Seria estultícia minha falar da obra, ainda que me limitasse a relembrar o que nela está dito, tarefa sempre fácil. Aprendi, há muito tempo, que julgar em causa própria é sempre temerário…Disse julgar, não advogar, porque então ainda seria mais evidente o desajuste… O juízo nunca será justo pois se receia sempre que, tratando-se dum interesse próprio, se deve ser mais exigente (e pecamos por excesso) ou mais condescendente (e pecamos por defeito). Outros farão a apresentação da obra e a sua crítica, que pode ser contundente, sem ser necessariamente destrutiva ou negativa… Tenho consciência que a obra não é completa nem perfeita, pois mesmo dentro do plano que lhe traçamos há omissões. A consciência da imperfeição da obra humana permite fazer alguma coisa, correr riscos, caminhar, sair da rotina… O perfeccionismo paralisa, inibe, limita, rouba-nos a dinâmica própria da vida… O perfeccionismo exige obra sem mácula, completa, não susceptível de crítica.
O que interessa mais, agora, é o mérito do ministério de MSM. O que escrevi é um primeiro passo para a realização do que está por fazer em honra da sua memória, reafirmando o estatuto que já tem: o da imortalidade! Sim, no sentido em que ele cria e ensinava (não morremos, vamos ao encontro da eternidade) mas também no sentido de que está na galeria dos heróis da fé, em cujo exemplo nos podemos e podem as gerações futuras inspirar-se. A galeria dos heróis da fé pertence às pessoas comuns que quiseram ouvir a voz de Deus e obedecer-lhe. Não se idolatra quem creu, segue-se-lhe o exemplo! Por preconceito, tememos biografar os que conhecemos e já partiram, os que morreram na fé. Preferimos falar do testemunho doutros que viveram noutro contexto e realidade; também nesta matéria nos inspiramos mais no que vem do estrangeiro, fazendo jus ao que se diz do profeta na sua própria terra ou dos santos que só fazem milagres em terra alheia… Eu sei que não há perfeitos, nem um santo o é! Nem dos que estão nomeados como exemplo na Carta aos Hebreus se diz que eram perfeitos, quanto mais dizer isso dos santos que conhecemos! Mas o exemplo dos que nos inspiraram e encorajam é que conta! Basta que sejam santos! Que vivam entre pessoas comuns e as influenciem pelo exemplo, sem receio de contaminação! Por isso, teve importância escrever este livro!
Não sendo um dos amigos chegados do Pr. MSM, conheci-o numa época muito importante. E num contexto social com semelhanças incríveis no que tange à vivência da infância e da adolescência, apesar de nos separar uma geração. Quando o conheci ele já era ministro do Evangelho. A sua vida servia-me de exemplo. Ele andaria pelos 28 anos, pelos 29… e falava ao povo com entusiasmo e saber acerca do plano de Deus para salvar o Homem, tocava e cantava com alma… Os horizontes de MSM abriram-se quando esteve em Lisboa, para estudar, na Escola Bíblia… Os meus começaram a alargar-se quando idealizei África e, depois, quando lhe vi as potencialidades…Mas também estudei em Lisboa, na Escola Bíblica… Já repararam nas semelhanças de percurso?! Revi-me e trouxe para o presente o meu passado, enquanto escrevia. O mais importante não foram as dificuldades experimentadas na adolescência, mas o facto do Evangelho de Jesus Cristo me ter permitido, muito cedo, ver o mundo com outros olhos, de olhar para o futuro com esperança… Quando eu tinha 15 anos, MSM pediu-me uma declaração de fé! Eu estava determinado a ser discípulo de Cristo e fi-la. Mantive até hoje essa lembrança e renovei-a enquanto escrevia esta obra. Aliás, se a lerem, concluirão que momentos como esse eram os mais importantes no trabalho de MSM. Foi o que andou a fazer desde que foi reconhecido como Ministro do Evangelho. São 50 anos a pugnar pela causa de Cristo, a cumprir a ordem para fazer discípulos. Fazia-o de muitos modos, sempre empenhadamente. Foi o Evangelho que lhe deu o rumo, foi também o Evangelho que modelou o meu. 

Não sei se fui capaz, neste tempo precioso, que me dispensaram, de comunicar-vos uma parte significativa do que pretendia. Muito do que disse e do que tinha subjacente foi certamente intuído pelos mais próximos de MSM e conhecedores do seu percurso ministerial. Foram até capazes de intuir o que ficou nas entrelinhas para não nos alongarmos. Para os que só ouviram falar de MSM agora ou têm da sua história pessoal ou do Movimento Pentecostal pouco ou nenhum conhecimento não terei sido suficientemente explícito. Quer uns quer outros, por razões diferentes mas igualmente importantes, terão ao menos ficado curiosos e vão ler o livro! Bem sei que os méritos literários do escritor, os seus dotes de biógrafo ou as pretensões de historiador não contarão muito para a atitude que terão em relação à sua leitura. Mas pensem na riqueza incalculável que é ter acessível um testemunho tão vívido de alguém que calcorreou os rincões onde nascemos, onde estudamos, onde constituímos família, onde voltaremos a ser pó, como o fomos no início de tudo! Um homem comum que ergueu um padrão em relação ao qual podemos ter todas as atitudes, menos a da indiferença, pois essa é sinal de que já não nos interessa saber como foi com os outros para nos inspirarmos no que tiveram de melhor! É sinal de que já nos conformamos com as ideias dos que nos querem acorrentar, que não damos espaço à influência do Espírito de Deus para descobrir que, afinal, tudo o que sabemos e experimentámos ainda nos coloca a anos-luz do que aprenderam e viveram homens de condição humilde, cujo legado não deve ser ignorado! Com esse objectivo, dedico este livro a todos os que não desprezam o passado nem o trabalho meritório de homens e mulheres simples que nos legaram exemplos de vida. Dedico-o, em especial, a todos os que são daqui, da Senhora da Hora, aonde vim, com sacrifício, há muitos anos atrás, aprender os rudimentos da música! Dedico-o aos querem conhecer o ensino do período da maturidade de MSM e cuja ignorância será indesculpável aos que o tiveram por pastor, pregador e professor. 
Obrigado pela vossa atenção. 
Senhora da Hora, 28 de Setembro de 2013. 
José Manuel Martins

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