quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Ler, ler, ler, não parar de ler...

Algures, 3 de Setembro de 2025
Meu caro Elias, saúde!
Nas nossas conversas fica sempre tanto por dizer...
Falávamos, há dias, sobre livros, o que lemos e não lemos.
Assumimos que ler é essencial para nos mantermos vivos. Sim, de certa maneira, não ler é como não comer...
É sabido que, hoje, é pouco provável encontrar quem coma tudo, melhor, quem coma de tudo. É mais isto porque é saudável, é mais aquilo por causa do planeta ou do rim, ou do estômago. Devemos ser selectivos mas não excluir nada por preconceito. Somos dos que têm boa boca e dos que lêem tudo! Conhecemo-nos e, portanto, não podemos encondê-lo.
O nosso contexto sócio-cultural, porventura, exigia-nos mais comedimento: não comer de tudo e não ler o que não tivesse recomendação prévia! Mas nós crescemos e o mundo mudou. Agimos sempre com grande sentido de responsabilidade mesmo quando comíamos o «impróprio» ou líamos o não recomendado. A liberdade que cultivámos deu-nos mundo e abriu-nos portas... Sabemos, assim, no que à leitura tange, que as proibições não são amigas da liberdade...
Lembras-te, ainda infantes, dos relatos fabulosos sobre a aventura de Jonas, o profeta, que não queria ir a Ninive por odiar muito os que tinham, na história, maltratado o seu povo? Deviam ser salvos porquê, os de lá, se eram tão execráveis na relação com os outros!? Dizia-se que até esfolavam os inimigos vivos... E Jonas não queria contribuir para que fossem salvos do castigo merecido...
Certamente, interessar-te-ás pela leitura de um livrinho que me chegou às mãos: A viagem de Jonas. As crónicas de um crónico desobediente. Vão as fotos das capas para veres melhor a apresentação da obra.
Evidentemente que já o li! Por causa dessa voracidade que me (nos) caracteriza como leitores... Não podemos ver uma folha de jornal perdida... Adiante!
Não vou revelar-te nada (aliás, Jonas - mito, real, autor... - não te é desconhecido...) da obra. Apenas sublinhar que a obra está escrita em «cânones» fora da caixa, como sói dizer-se, agora, pois deita mão a recursos que antanho não se usavam. Olha, por exemplo, recorrendo a figuras do cinema, da TV, da literatura não só para introduzir a narração como para «exemplificar» uma certa maneira de ser, de agir, de estar... Obviamente, o autor, que, pessoalmente, não conheço, é cinéfilo, espectador e leitor dessas fontes de lazer e saber. Isso é bom! Repito, como que parafraseando o dito paulino, importa ver e ler tudo, retendo o que interessa! Ou melhor, o que nos dá saúde! Na primeira impressão, Jonas é um de nós pois há muitos exemplos por aí de fugitivos, a quem se pede que faça isto ou aquilo e fazem coisa diferente por terem melhores razões (e mesmo quando fazem o que lhes é pedido, fazem-no sempre em função do que para eles é o bom motivo!)
Se não tivéssemos vivido tanto, por certo encontraríamos o profeta - no local acessível, na eternidade...- caracterizado pelos recursos do nosso tempo: a história bíblica, o seu contexto socio-politico- religioso... Assim, tão seniores somos!, ainda o vamos confundir com um homem da tela ou da literatura moderna... Mas isso tem piada! Não sei é se os leitores, jovens, naturalmente, ganham em conhecer Jonas com a ajuda das artes cénicas ou meramente literárias... Talvez o peixe grande só possa ser ficcionado e o poder que removeu o homem do seu ventre atribuido a um criativo, roteirista ou novelista...
Vais dar o tempo por bem empregue! Depois, podes ilustrar os teus conhecimentos bíblicos arriscando novos recursos, aqueles a que não tiveste acesso e que, agora, estão no dedilhar de um teclado, e animando as tertúlias com os teus netos... Jonas pode tornar-se uma leitura «dos novos tempos» (para nós, que lemos, e retemos o melhor, esta Viagem de Jonas é proveitosa, apesar de não acrescentar o que aprendemos; para os mais jovens, potenciais alvos da obra, a coisa pode ser problemática: é que, ao que parece, eles não lêem...)
PS: Somos críticos literários, à nossa maneira, e muito sensíveis à ortografia, à sintaxe... O editor da obra podia ter sido mais cuidadoso e a revisão mais exigente. Sei que se trata dum lapso, mas logo na primeira página de texto vais encontrar «viagem» e «viajem»... Não ligues, sê condescendente!
E até breve. Se quiseres, dá-me, depois, a impressão da tua leitura.
Sempre amigo,




quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Curtos são os dias da amizade...

Os dias da amizade
segura, que ampara,
duram sem (a) idade
que, por vezes, separa...
O começo é sempre nada,
troca de gestos pequenos,
tempo da alma fadada
que dá tudo, não faz por menos...
Verdejam à força própria,
pode ao redor parecer pouco,
horas, dias de agonia,
do tempo que fazem louco...
Finar-se-ão, docemente,
pois há um fim para tudo,
um amargo, certamente,
fica o tempo tão mudo...
Virão depois muitos dias
de lembranças sempre vivas
nas papilas sensíveis, macias,
das amizades perdidas...
😉
Só ao correr da pena, sem critério métrico ou pretensão poética, querendo dar voz ao fruto que lutou para singrar e nos deixou uma lembrança de docura sem fim...
A amizade exige entrega para deixar, um dia, uma lembrança de...doçura!



sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

54 anos depois...

Caro Elias,

Não dispensamos as recordações, em particular das situações da vida que deixaram marca indelével.

Temos recordado tantas, tuas e minhas, vá lá, coisas que nos entrelaçam e alimentam a amizade que nos dá à vontade para todas as conversas.

Pois bem, fez-se hoje uma luzinha na minha cabeça, depois de termos conversado tanto sobre os lugares por onde passamos e nos marcaram.

Não me ocorreu, durante a conversa, que faz hoje, precisamente, 54 anos que, de malas aviadas, regressei a Luanda.

Bem sei que és mestre nas coisas referentes às linhas férreas que se construiram em Angola, em particular aquela que, vindo da costa atlântica, se embranhava nas profundezas do território, até à fronteira, a leste. Eu via os comboios passar em Nova Lisboa, mas a história da linha interessava-te mais do que a mim... Eu ficava por ali a vê-los passar, carregados de mercadorias e gente... Tu sabias tudo acerca de cada composição que, no sentido da fronteira ou do mar, parava na capital de Norton de Matos.

Mas sobre conboios estamos conversados porque me falta cultura. Mas a memória do resto, em Nova Lisboa, ainda está viva e disso falamos tanto... 

Uma ocasião, estando aborrecido com o «clima» social na capital, decidi mudar de ares e trabalho. Pequei na minha Lambretta e, zás, quase um dia inteiro, fiz-me à estrada para Nova Lisboa. Estamos no fim de Julho de 1970. Tu chegaste depois e conheces os pormenores da aventura. Não te maço, repetindo-os. Lá na pensão, que escolheste por sugestão minha - afinal, foi lá que me alojei uma semana após ter posto os pés na cidade... - falámos tantas vezes da ousadia que foi percorrer aqueles 600 quilómetros sem preparação prévia... Nem bagagem, nem sítio onde dormir... Tudo o que os 20 anos justificavam de aventura e irresponsabilidade!

7 Meses depois, foi diferente! O avião e a carreira de transporte de passageiros e mercadorias facilitaram muito o retorno... Tu ficaste para cumprir a tua recruta e especialidade militar. Eu regressei antes que o serviço militar me apanhasse. Apanhou-me em Julho de 1971, mas nos meses de Março e Julho vivi das economias dos meses de trabalho na capital do planalto e foi tudo muito bom! Ainda não tinha apreciado, como nesses meses, o burburinho luandense...

Tu bem querias frui-lo, mas em Nova Lisboa podias continuar a contar comboios, a sublinhar no teu diário as particularidades das merdacorias e as muitas cores de que se vestiam aquelas gentes que vinham da fronteira para ver o... mar!

Deixei nesse dia 28 de Fevereiro de 1971 parte de mim no café com vista para o jardim, onde o ribombar dos trovões nos dias tempestade me tiravam da atenção do que estava a estudar...  Nem os apitos do comboio que descia se ouviam, mas tu sabias que o ribombar dos trovões era passageiro e logo mais subiria outro para abraçar a fronteira, que nem sabíamos onde ficava...

E nunca mais voltamos e tu, em dado dia, disseste-me que os comboios tinham parado e, portanto, não voltarias ao planalto...

E agora que os comboios voltaram a circular, regressavas?

Fica para a conversa que a breve trecho teremos.

 

 

domingo, 9 de fevereiro de 2025

Sorte da caturra...



A propósito duma caturra...

Um dia, um homem, que vivia só, sucumbiu à mesa de um café, no aeroporto de Lisboa.
Biólogo, músico, um intelectual...
Foi enterrado sem que se soubesse se tinha ou não família.
Soube-se, mais tarde, que, quando estava em casa (aliás, um antro de sujidade, desde que a cabeça dele se destrambelhou...), tinha a companhia de duas aves...
O senhorio despejou a casa, por falta de pagamento da renda mensal, por meio de arrombamento. Lá estavam o Solicitador de Execução, o serralheiro, o Sub-chefe da polícia da esquadra local, com dois agentes... (não sabiam se o inquilino estava dentro de casa; podia haver resistência... ihihih). No meio do lixo, das centenas de livros (muitas dezenas novos, nunca lidos...) de filosofia, psicologia, ciências sociais em geral, religião (judaísmo, islamismo, cristianismo...), dos móveis, do cofre, das jóias... ainda havia vida. Não, não era o dono da casa, que tinha morrido e não se sabia, nem mesmo os que tomavam, agora, a casa de «assalto» tinha ideia disso. Esse vivera sozinho e estava enterrado... Havia uma «arara» viva, cujas companheira não resistira, provavelmente à fome, à sede ou à...saudade! Foram abandonadas pelo dono que saíra e não voltara... Foi logo «transportada para o Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade»... Sorte dela porque aquela equipa de «arrobamento» tinha sensibilidade. Sorte dela porque o respectivo director se empenhou, pessoalmente, em recuperá-la e garantir-lhe bem estar... Sorte dela porque, 6 meses após a morte do seu dono, os familiares (herdeiros!) se interessaram por ela e a primeira coisa que fizeram foi recuperá-la para ser companhia lá em casa...
Afinal não era uma ARARA. Tratava-se duma ave «vulgarmente conhecida por caturra», da espécie «Nymphicus hollandius».
E pronto, estava garantido o futuro da CATURRA como «dama de companhia»... Mas o dono morreu sozinho, sem cuidados, ao abandono... Até na morte lhe faltaram os amigos, conhecidos e os que seriam, legalmente, seus herdeiros...
Sorte da Caturra! Há crianças que deixamos morrer...

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Quem é Cristo para ti...



Caro Elias, quem é Cristo para ti?


Não tenho tido ânimo para responder às várias mensagens que me mandaste, entretanto. Algumas vieram por meios telemáticos e «perderam-se» no amontoado em que se transformam as caixas de correspondência. Releva, por favor.

Hoje, detive-me na leitura do texto biblico seguinte: S. Mateus captílo 16: 1-16. Fiquessei-me, em particular no verso 16, onde se lê «Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.» Em versões mais próximas do linguajar moderno lê-se mais exactamente: «Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo».

Vendo o texto, parece que se pode dividir em três partes, as quais me servirão de referência para a exposição, ou seja: a primeira (v.1-4) refere-se à preocupação do que é imediato, espetacular e garante visibilidade aos protagonistas que têm conhecimento imenso sobre tudo mas não sobre o essencial da vida; a segunta (v.5-12) refere-se à necessidade de ter cautela para não deixar que o brilho do conhecimento dos religiosos, políticos e outros sábios anule a experiência do miraculoso, pois podem ocorrer milagres tão essenciaia à fé como o do profeta Jonas; a terceira (v.13-16) evidencia que o mais importante é ter noção daquilo em que acreditamos para viver uma vida nova, diferente.

Sabes, com bastante frequência, os textos base dos sermões que vamos escutando são mais amiúde escolhidos no Antigo Testamento, em regra para motivar a fé ou a vivência quotidianas e mesmo quando são escolhidos no Novo Testamento a motivação é semelhante: activar mecanismos emocionais ou alavancar espectativas espirituais dos que vivem «sem esperança» ou desiludidos... Pedindo-te paciência, vêm comigo fazer o percurso do texto supra referido, o qual tem lugares paralelos em S.Marcos 8:11-30, S. Lucas 8:18-20 e 12;54-56, para no final ambos nos interpelarmos: «Quem é Cristo para mim?»

Há um contexto que nos permite entender correctamente o que está em causa. Na verdade, há pessoas que para crer precisam de ver sinais extraordinários. É o caso dos fariseus e dos saduceus, que queriam experimentar/tentar o Rabi que se apresentava ao povo. Eles representavam as forças partidárias da sociedade judaica de então mais importantes: os primeiros, formavam um partido que dava muita importância aos ritos e cerimónias. Eram mais piedosos que todos os outros, como diziam, e, por isso, separavam-se das pessoas comuns; os segundos, eram também dum partido materialista, que não criam na vida depois da morte, não aceitavam os anjos nem as tradições dos anciãos. Como vês, Elias, um partido mais religioso, outro mais civilista.

E queriam ver um milagre -, mais um milagre - pensando, assim, que tal lhes daria melhor compreensão do que se estava a passae, das pessoas que seguiam o Rabi e dos poderes deste; porém, estavam impreparados porque nem sequer o significado do milagres de Jonas eram capazes de descortinar. Jesus, a quem interpelavam, querendo pô-lo à prova, já lhes tinha indicado o sinal de Jonas, dando-lhes pistas para reconhecerem quem estava diante deles. Eram, porém, inconpetentes para tanto. É assim quase sempre: quem é incrédulo não passará a crer por causa dos milagres. No caso, eles eram incrédulos em relação à acção do Messias - não passarim a crer n'Ele depois do milagre pedido. Não souberam interpretar que «como Jonas esteve três dias e três noites no ventre do grande peixe, assim estaria o Filho do homem três dias e três noites no seio da terra. Fazer tal associação, desmarcará-los-ía! Concordas, Elias?

Ou seja, esses homens não estavam prontos para vislumbrar além da sua própria filosofia de vida e, por isso, mesmo com milagres, não reconheceriam aquele que ouviam como portador de algo melhor. Sem fé é impossível agradar a Deus! E só a fé valoriza o miraculoso, a acção de Deus.

Jesus deixou-os a falar sozinhos, retirando-se, isto é, conhecendo-lhe o propósito, foi-se embora. Não foi a atitute correcta? Que outra poderia ter tido o Mestre que eles interpelavam?

Parece-me que do contexto depreende-se que resultam consequências nefastas para os que não estão disponíveis para ver além da religião e das condições da vida social estabelecidas. Aliás, o fermento dos fariseus e dos saduceus dava alma à acção que prosseguiam como religiosos e políticos. A ela não escapavam os discípulos do Mestre tão envolvidos com o pão do quotidiano, da sobrevivência, que é o que representa o pão, que já se tinham esquecidos dos milagres operados e pareciam-se com os fariseus e saduceus pois reagim como eles, influenciados pelas suas doutrinas. E a incredulidade distorce a mensagem do Evangelho, a revelação de Cristo, a natureza do pão de Deus que é alimento espiritual. Os discípulos corriam esse risco. Com efeito, apesar dos milagres, ainda reagiam sob a influência das doutrinas dos ditos cujos religiosos e políticos. Apesar da multiplicação milagrosa do pão, por duas vezes, estavam prisioneiros do que o estômago pedia - o pão comum.

Talvez concordes, Elias, que é possível afirmar, neste resumo contextual, que a religião e a política, em si importantes, não são o meio suficiente para se poder entender as coisas de Deus e do seu plano em Cristo! Para os propósitos do Mestre era essencial levar os discípulos dali - levou-os para a outra banda do lago, simbolicamente retirando-os do espaço onde imperava a lei dos religiosos e políticos para dar significado à vida que tinham, seguindo-o.

Nota o seguinte, caro amigo. É preciso identificar as opiniões do povo para conhecer o limiar a que chegou no conhecimento das coisas espirituais! Concordas? Não vale a pena insistir no ensino que é do domínio comum - é preciso falar do que está por descobrir. Mas o que se constata é que se perde muito tempo e também energias a argumentar sobre a valia desta ou daquela religião, desta ou doutra denominação, ou desta ou doutra forma de organização social ou política. É preciso dar o passo decisivo adiante. Sobre a interrogação Quem dizem os homens (o povo) ser o Filho do homem?» sabia-se muito, mas sem certezas: Era João Baptista, Elias, Jeremias ou outro dos profetas. Ou seja, alguém que não está mas cuja obra precisa de ser expressa por alguém, de modo que não constitua surpresa, imprevisibilidade, conhecimento não dominado. A comodidade de não ter de abrir portas ao que se anunciava de novo, isto é, a voz do povo apontava no sentido de não se mudarem as regras do jogo que sabias jogar - na religião que praticavam e nas regras da organização estabelecida (queriam o libertador que havia de vir, mas teria de ser guerreiro para os livrar do jugo estrangeiro!)

O repto directo viria a seguir, naquele ambiente propício à reflexão e ao compromisso: E vós quem dizeis que eu sou? Na pergunta anterior, Jesus dera uma pista que talvez admitisse uma referência a seu respeito mais próxima da natureza da sua missão entre o povo: Filho do Homem, disse a propósito de si. Essa expressão é usada dezenas de vezes nos Evangelhos, como agora sabemos. E Filho do Homem, porquê? Que interessava isso para à resposta à pergunta dirigida aos discípulos? Tu sabe, Elias, que a expressão significa, antropologicamente, que Jesus se referia à sua natureza humana, como a de qualquer outro ser humano. S. Paulo escreveu que Jesus se fez semelhante aos homens. A antropologia, a ciência que estuda o ser humano na vertentes biológica, psiquica e social e na sua relação com o meio ambiente, permite-nos ligar a expressão Filho do Homem ao corpo, à mente e ao modo como se relaciona. Cientificamente, digamos assim, o Filho do Homem é um humano na sua natureza. Mas tal expressão tem uma forte conotação messiânica, por referência ao livro do profeta Daniel 7:13-14: «Eu estava olhando nas minhas visões de noite, e vi que vinha nas nuvens do céu um como o filho do homem. (…) Foi-lhe dado o domínio, a honra e o reino, todos os povos, nações e línguas o adoraram. O seu domínio é um domínio eterno, que não passará, e o seu reino o único que não será destruído». E entre os judeus era reconhecido esse sentido messiânico da expressão, da qual resultava a ideia de um salvador geral.

Parece que o povo se esquecera da promessa, que o Messias viria e era aguardado; melhor, o povo queria um messias mas não com as características daquele Mestre, que, quanto muito, seria também um profeta que fazia milagres. Essa era a ideia apurada pelos discípulos. A popularidade de Jesus era muito grande entre o povo por causa dos milagres – já os sermões eram postos em causa pelos religiosos e políticos e isso dividia a opinião do povo - mas não havia revelação quanto à ligação da expressão que Jesus dava – Filho do Homem – a si próprio e à sua missão messiânica a favor do povo de Israel e do Mundo. Tu sabes que não era importante que Jesus tivesse o reconhecimento do povo para saber quem efectivamente era, o próprio Verbo de Deus: No princípio era o verbo, e o verbo estava com Deus e o Verbo era Deus; o Verbo se fez carne e habitou entre nós. Vimos a sua glória, a glória como a do unigénito do Pai, chei de graça e de verdade. Mas era-lhe necessário que não existisse qualquer dúvida quanto a isso entre os discípulos!

«Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo», declarou Pedro, com a concordância de todos, dada de seguida, como julgo. O compromisso cristão assenta nesta confissão. Ela pressupõe que há reconhecimento pessoal da necessidade da intervenção de Deus na vida humana. Antes dela podemos deixar as nossas actividades, dedicarmo-nos a um projecto religioso, viver de forma honrada, até servir e amar o próximo. Isso é essencialmente religião, designio moral, lutar contra a tendência natural de fazer o que desagrada a Deus. Qualquer religioso pode chegar a esse estadio de aperfeiçoamento moral! Pedro reconheceu a natureza e missão do seu Mestre: Ele era o Ungido, o que se voluntariara para servir o plano de salvação que estava previsto desde a fundação do mundo.

A vida cristã inicia-se e prossegue sob a verdade dessa confição: Um dia um outro homem, diante da clarividência do rabi Jesus, declarou: Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel! (João 1: 49). Esta descoberta ou revelação espiritual não acontece por mérito e inteligência humana. É revelação de Deus. A Salvação não é esforçado humano: Deus revela, chama e o homem, livremente, atende. Para os discipulos, aquela revelação tinha eficácia para sustentar a sua relação com a missão de Cristo e deviam mantê-la em segredo, mas só até que o Filho do homem fosse ressuscitado dentre os mortos (16:20 e 17:9). Hoje a notícia é para correr até à extremidade da Terra!

Para concluir esta missiva (não esperavas, Elias, que voltasse ao teu contacto com este assunto, mas, no momento, é o que me inteiramente ocupa a mente e o coração e sei que és sensivel ao tema!), sem retórica, pergunto: Em que estadio do nosso envolvimento com Cristo nos encontramos? É o Filho de Deus? Beneficiamos da sua acção salvífica, reconhecendo que é o Messias? Estamos determinados a dizê-lo aos outros, que não estão nesse patamar de convicção? Afinal, resumindo, não é o que o está ao teu alcance – e do meu, claro! - dizer que o Filho do homem é o Ungido de Deus, o Salvador do Mundo, que venceu a morte, ressuscitando, e que é aguardado para cumprir o prometido?

Pensa nisso, e aguarda que dê seguimento às tuas missivas sem resposta. O amigo tem paciência.

Abraçando-te,

6/10/2024