sábado, 6 de abril de 2024

A alegria é tudo...

    «Meu caro Elias, não sei bem dizer a razão, mas palpita-me que, não tarda, estás a ler a obra completa do José Rodrigues dos Santos! Não seria pouco o espanto se mo viesses a confirmar... Sempre disseste que o homem não criava coisíssima nenhuma, limitando-se a explorar os coitados que pensaram e publicaram coisas que não tiveram, ao tempo, a atenção devida ou foram mesmos proscritas. Tratando-se de romances a desacreditar a religião cristã, é vê-lo a lamber os ditos apócrifos, evangelhos de Barnabé, de Judas Iscariotes, de Maria, mãe de Jesus, e muitos outros textos, às centenas, que por aí circulam ou são desenterrados, como praga que virou moda. 

   Na tua última carta - e é a essa que agora me refiro - reparei nos elogios contidos, mas já a augurar alguma adesão, que fizeste à forma directa, dirias simples, compreensível, como transmite as ideias que estabeleceram contraponto com as dominantes e às quais pretendiam fazer frente por desacreditação. Viste isso, segundo me pareceu, na sua última obra, o Segredo de Espinosa, que já vai na 4ª edição, como referiste.

   Para te ser sincero, e só pelos dados que elencas pois eu também não sou apreciador da obra - acredito que o êxito do escritor residirá, precisamente, na exploração dessa temática em linguagem simples. Isso parece atrair leitores. Viste bem, mesmo a propósito da ideia de biografar um judeu português nascido e criado nos Países Baixos, lá para o século dezassete, filósofo eminente, o que o autor pretendeu mesmo foi dar mais uma «traulitada» na afeição dos cristãos à Bíblia... 

    Curioso, não é, que a propósito da especulação filosófica do nosso conhecido Baruch Espinosa o José Rodrigues dos Santos sirva, em bandeja farta, a tese de que a Bíblia não é o Livro de Deus, antes  uma selecção de textos feita ao longo de séculos, cuja hermenêutica e exegese não são diferentes das empregues para quaisquer outros textos elaborados por homens? Mais, como bem referes, o que o autor visa é vazar na cabeça dos leitores, como alternativa à fé pessoal em Deus, que se revelou, a tempo oportuno, em Jesus Cristo, o panteísmo dito de Espinosa. 

    Ah! Num romance para leitores fiéis, que sufragam as teses de autores proscritos, ao longo da história da Igreja, por contrariaram ou querem substituir a mensagem Escriturística, o José Rodrigues dos Santos maneja bem a trama do romance para o conduzir à aridez do pensamento racionalista que elimina a transcendência de Deus criador e o confunde com a natureza e o amarra às suas leis imutáveis, quiçá, se bem entendi o que escreveste, eliminando o respectivo livre-arbítrio...

    Naturalmente, nessa visão das coisa, não deves estranhar que no romance o autor sublinhe a impossibilidade dos milagres, da relação pessoal do homem com o Criador, a imanência de Deus (Ele é o criador e a Criação, e as leis da Natureza são as que imperam e não podem ser modificadas...), tudo com base na filosofia do judeu português que o judaísmo da época desconsiderou e o calvinismo não tolerou... Foste tu que anotaste isso, e é certamente verdadeira a tua conclusão de que o panteísmo, mesmo sustentado na negação do valor da Bíblia como Livro de Deus, é uma ideia atractiva e de conforto espiritual para quem, hodiernamente, navega nas águas da religiosidade oriental, sempre à procura do modo como se pode ser feliz... Não discordo que a alegria seja o valor mais admirável para o filósofo Baruch, que o autor usou para romancear o panteísmo. Para ti não é também? Afinal, não era o Rei David que, poetando, dizia, dirigindo-se ao Criador, «torna a dar-me a alegria da tua salvação»?

    Se felicidade e salvação se equivalem em significado, ou uma não existe sem a outra, a alegria é mesmo o sinal de que tudo vai bem e a filosofia de Espinosa, alardeada por José Rodrigues do Santos, é uma descoberta serôdia, talvez um modo de dizer que o Senhor que misturou na natureza continua a ser a causa primeira da alegria dos homens!

    PS: Se te serve de conforto, também eu já tive a experiência de me iniciar num ou noutro autor lendo, aos bochechos, uma determinada obra nas livrarias... Se não adquiriste o Segredo de Espinosa, depois de ler a obra, agora que já conheces o estilo do autor, adquire a próxima, lá para Outubro próximo, sabendo que vais ter de aguentar com uma outra corrente filosófica qualquer que rebate os fundamentos da tua fé cristã...

    Sempre teu amigo,

    

    


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