segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Manter a esperança, preservar a fé.

Com a Letras d'Ouro estivemos na Assembleia de Deus de Torres Vedras, a amável convite do estimado amigo e pastor Daniel Monteiro. Deixo aos meus amigos e seguidores os tópicos da minha participação (anunciar Cristo, com mais ou menos arte expositiva, é um dever; fazê-lo, derramando o coração, é uma necessidade).
Tópicos.
Agradecimentos
Estar entre os irmãos doutros lugares reforça em nós o sentido da fraternidade e a consciência da Igreja Universal que está ultimar-se para o grande dia da vinda do Senhor;
Estar aqui também exemplifica a vontade dos irmãos em abrir-se à partilha da mesma visão de vida, assente na verdade de que Jesus é o Senhor, elo de ligação perene dos que crêem n’Ele sem exclusão de ninguém.
Agradeço a confiança no projecto da Letras d’Ouro e no nosso singelo contributo para valorizar a acção da Igreja nesta cidade, envolvendo a vontade de todos quantos participam. Como agradeço aos que partilham a direcção da igreja e a todos os irmãos e amigos presentes, aos que habitualmente vêm para celebrar ao Senhor e aos que, eventualmente, vieram para estar connosco, apoiando esta iniciativa.
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Os livros que escrevi e publiquei são canais abertos para reflectir e valorizar o nosso passado, aquilo que vivemos, partilhámos ou com que nos identificamos.  
Parece ser consensual que «sem passado não há afectos nem laços sentimentais». Mas temos encontrado pessoas que, por várias razões, «bloqueiam» as ligações ao passado querendo um mundo novo, como se fossem «criadores» do nada! A nível das vinculações espirituais, das ligações doutrinárias, das relações de fraternidade essa postura é terrível, de consequências dramáticas porque deixa-as à deriva, sem chão.
Acontece o mesmo à generalidade das pessoas que sofrem um AVC (Acidente Vascular Cerebral) e não são socorridas a tempo: o sangue, se o AVC é genético, um vaso se rompe, espalha-se pelo espaço intracraniano e danifica o cérebro; se o AVC é isquémico, um trombo impede o sangue de chegar ao cérebro, este danifica-se por falta de irrigação.
Estas pessoas, em regra, numa situação aguda da doença, não sabem quem são porque o passado foi apagado e ficam à deriva, sem referências, dependentes, sem autonomia.
É erro crasso tentar viver sem passado! Em particular no que diz respeito à nossa matriz espiritual. No passado está tudo o que agora somos! A bem dizer, não há presente: só há passado e futuro! O presente é apenas a milionésima de segundo para pensar donde viemos, onde estamos e para onde vamos!
Já pensamos nisso a sério? 
Se tiverem oportunidade, verão nos meus livros Zau-Évua, terra de ninguém, sítio de vivências, Recantos do Mundo. O pentecostalismo em Angola – subsídios para a história das Assembleias de Deus, Entre laços d’Ontem, e particularmente Manuel da Silva Moutinho, um padrão da igreja bíblica e José Pessoa. Missionário por vocação essa tentativa de não deixar que se perca uma grande parte de quem sou, de quem somos.
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Breves palavras sobre este livro José Pessoa. Missionário por vocação.
Suponho que José Pessoa ainda seja um nome familiar para alguns de nós. Quem o conheceu vai inspirar-se ainda mais, lendo o livro, no seu exemplo de vida e reforçar os valores que o marcaram; quem não o conheceu, vai inspirar-se à mesma.
No essencial, este livro é um memorial a um homem ímpar na afirmação da Esperança e da Fé, em particular por causa da sua grande preocupação evangelística e entrega à causa missionária, que se vê na relação com os médicos-missionários Bowker, missionários ingleses, no trabalho missionário na Guiné-Bissau na década de 50, na continuidade do trabalho de evangelização na Beira Baixa em que foram pioneiros os Bowkers, na grande tarefa de consolidação da Assembleia de Deus em Coimbra em momentos delicados, no esforço a percorrer o mundo pensando nos portugueses e procurando apoio para o trabalho evangelístico em Portugal, n comunicação transversal com todas as Igrejas do Movimento Pentecostal, na relação fraternal com outras igrejas denominacionais e, ainda, com o ensino basilar da doutrina da salvação.

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 Manter a esperança, preservar a fé.
Hebreus 10:22-39

Este trecho das Escrituras fala da «Confiança e firmeza na fé».
Em primeiro lugar, os verbos manter e preservar devem ter aqui uma pequena diferença, só por razões da exposição querendo significar, na sua sinonímia, respectivamente, sustentar e guardar.
Como é evidente, só podemos manter e preservar o que possuímos, o que é nosso, o que está ao nosso cuidado, o que devemos guardar.
Podemos dizer que a esperança é, em geral, inata à pessoa humana. O povo até diz que a «esperança é a última coisa a morrer». Esperança é «o acto de esperar». Para a generalidade das pessoas a esperança é mera expectativa ou probabilidade. Diante das dificuldades desesperam, ou seja, desistem.
Há muita desesperança no mundo. Por causa da fome, da guerra, das doenças, das calamidades, da desonradez, da vilanagem, das malfeitorias, das tramoias, das vigarices…
A esperança de que falam as Escrituras não é mera probabilidade. O que é provável acontece ou não, é plausível, verosímil, mas pode não acontecer. A esperança que queremos manter é aquela que assenta num fundamento inabalável, é aquela que não vê o que quer alcançar mas sabe que existe.
Como?
Por meio da fé!
Esperança que é probabilidade, para uns, é certeza firme para nós, garantida por meio da fé: «Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem.» Hb. 11:1)
A fé dá certeza à esperança e é garantia do que se espera e não se vê ainda. 
Ou seja, fé é a confiança que colocamos em Deus, através da qual alcançamos o visível e o invisível relacionados com todas as promessas que estão na sua Palavra, que permanece.
Essa confiança impregna as acções de quem tem fé. Se espero a vinda do Senhor, se espero morar no Céu, se espero fazer parte do número do remidos, se espero receber cura, se espero outro milagre, se espero ter vitória sobre o mal que me rodeia só tenho fundamento e certeza se tiver fé!
Mas a fé não se compra na farmácia, não está disponível nas grandes superfícies, nem nos grandes santuários ou onde se proclama a manifestação de poderes divinos: A fé, que é fundamento e certeza da esperança, alcança-se «pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus.» (Rom. 10:17)
A fé que guardamos é que sustenta a esperança em que vivemos!
A fé é o bem mais precioso.
Podemos perdê-lo. (No apêndice da obra, há um capítulo sobre como conservar a fé, cuja leitura recomendo vivamente)
Jesus perguntou: «Quando vier o Filho do Homem achará porventura fé na terra?» (Lucas 18:8)
A Bíblia diz que «sem fé é impossível agradar a Deus» (Hb. 11:6)
Então, devemos preservar a fé sob pena de não mantermos a esperança.
Como?
«O justo viverá da fé» (Rom. 1:17 e Gálatas 3:11)
A fé é o ar que respiramos é o sague que nos corre nas veias.
Guardá-la para sustentar a esperança exige permanente vigilância e para isso o autor aos Hebreus exemplifica com a vida dos Heróis da fé. São exemplos conhecidos, todos do passado! Vou permitir-me exortá-los a ler cada um desses exemplos.
Mas essa lista não está fechada. Há outros heróis. Nós podemos e devemos também inspirar-nos em exemplos que estão vivos, ao nosso lado, vivem todos os dias a esperança sustentados na fé que alcançaram pela Palavra. Esse são heróis vivos em que não reparamos facilmente porque também lhes vemos os defeitos, as mazelas. Nos que já não estão entre nós, vemos mais fácil inspiração.
Quero dizer-vos, como se vê dos exemplos de Hebreus, que manter a esperança e guardar a fé implica mais do que uma expressão pessoal, individual da vida que fruímos, dos valores que prosseguimos, dos alvos que queremos alcançar e em função dos quais entregamos a vida.
Abrão por fé ofereceu o seu único filho, mas tudo visava a grande nação, o futuro do mundo.
Raab ofereceu ajuda por fé e salvou-se a ela e abriu o caminho para todos os da sua nação.
Nós alimentamos a nossa esperança guardando a fé, mas isso não significa que desejemos tão-só, egoisticamente, o que é bom, que é promessa de Deus, apenas para nós.
 Aliás, só por nós não teríamos chegado à fé; foi preciso ter quem nos fizesse ouvir a Palavra.
Não teríamos esperança nem viveríamos por ela sem conhecer as promessas que nos dão vida!
                Se precisamos de alimentar a nossa esperança em fé, só lograremos consegui-lo se partilharmos o que somos, o que temos! A expressão pessoal da esperança e da fé é necessária para vivificarmos as nossas convicções, mas os respectivos efeitos não podem limitar-se à esfera pessoal, individual, particular!
Têm que se abrir aos outros, serem partilhadas com outros, ter consequências colectivas, generalizadas, as mais alargadas possíveis.
E é com esta perspectiva de dar o que temos para sobreviver que vos refiro uma história singular, socorrendo-me duma experiência de José Pessoa e duma história que nos lembrou, por certo do conhecimento dalguns de nós:
«E esteve na Madeira, durante uma semana, como intérprete de Bill Burkett, realizando cultos evangelísticos todas as noites. Estas visitas tinham sempre grande impacto local, pois muitas pessoas acediam ao convite dos crentes para assistir às reuniões e muitas delas convertiam-se, como aconteceu nessa viagem. E aconteciam situações ainda mais comoventes como a de um amigo que estava entre os que aceitaram o convite para seguir Jesus e que disse ter vindo de S. Jorge (uma ponta da Ilha) acedendo ao postal-convite do irmão Diniz Pereira, o pastor local e pioneiro da Assembleia de Deus. Não obstante ter de pernoitar no Funchal, por falta de transporte que o levasse, naquela noite, à sua terra, estava jubilando pela experiência do novo nascimento.
                Esse acontecimento trouxe à sua memória o que se passara na Madeira, cem anos antes, durante o ministério de um outro pioneiro, o médico inglês, Dr. Roberto Kalley: ”Em 1842, especialmente no Verão e no Outono, o povo acorreu em grande número para ouvir as Escrituras lidas e explicadas. Muitos deles caminhavam durante dez ou doze horas e escalavam montanhas de mil metros de altitude à ida e à volta para suas casas; durante muitos meses, creio, não havia menos que um milhar de presenças cada Domingo; geralmente excediam os dois milhares; ocasionalmente três milhares e uma vez foram quase cinco mil.” E o desejo expresso de quem, sendo intérprete dum evangelista, estava a viver, intensamente, o sucesso da pregação com a convicção de que «o mesmo pode acontecer hoje!» (pág. 219)
Roberto Kalley já está quase esquecido. Mas ele foi um herói da fé, que nos inspira. Lemos em «Vidas Convergentes», uma obra do Reverendo Eduardo Moreira, que tem mais de 50 anos, o seguinte sobre o percurso de Kalley:
«Nascido em Monte Floridan, perto de Glásgua, a segunda cidade da Escócia, em Setembro de 1809, vamos encontra-lo aos 20 anos já cirurgião e farmacêutico pela faculdade médica glasguense (31-8-1829). Em duas viagens a Bombaim serviu como médico de bordo, com a oportunidade que as circunstâncias lhe deram de conhecer povoações costeiras do sul da India, e o seu pauperismo. A sua alma leal defronta a miséria religiosa e social desse misterioso Oriente e, com aquela facilidade de generalização que caracteriza o alvorecer das mentes observadoras, mas inexperientes, é provável que “meça tudo pela mesma bitola”; e assim se considera o jovem médico um agnóstico, indiferente à fé.
Ao regressar à pátria exerce por seis anos a clínica em Kilmarnok. É nessa época que se dá a grande reviravolta da sua vida, essa mudança de atitude que, em sentido material, no comando militar ou nas manobras da finança, como em sentido espiritual, no impulso da fé, se chama “conversão”.
(…)
Com 28 anos, já casado, em 1837, quer tomar parte na evangelização da China, que ainda atraía vivamente tantas consciências despertadas pelo Grande Mandato de Cristo. Visionava uma multidão inumerável de almas sofredoras que lá ao longe precisavam de aprender a sofrer e gozar, viver e morrer como aquela anciã que lhe apontara a ele o Caminho.» (obra citada pág. 152/153)
É aqui que a nossa história entronca com o que queremos exemplificar acerca da partilha da esperança, fundada na fé. Na verdade, o Dr. Kalley deu mais esperança a centenas e centenas de madeirenses analfabetos, pobres e doentes, no século 19, do que dezenas de religiosos encartados ou políticos de polichinelo. Chegou à Madeira para que a mulher, frágil, beneficiasse de mais saúde, mas foi instrumento de esperança, falando a palavra que inculca fé e transforma. O mais importante é que, depois da perseguição, cerca de dois milhares de madeirenses foram para o novo mundo, e levaram a esperança, divulgando fé que abraçaram pela pregação do Dr. Kelly.
Tudo porque «um jovem médico escocês, cético, que certo dia é tocado pela Graça divina, ao assistir à morte calma e confiante duma cliente, senhora muito idosa e pobre, mas paciente nas dores e privações que sofria, cristã piedosa que como cristã morreu. Alma sincera, carácter leal, o jovem doutor estudou o problema cristão, e no meio do estudo surgiu-lhe o “facto Cristo”.»
(obra citada, pág. 151)
*
Estão ao nosso lado os homens e mulheres que Cristo ganhou, capazes de nos ajudar a manter a esperança e preservar a fé! Olhemos para eles, na sua simplicidade, e às vezes até na doença e pobreza: são uma inspiração!
Quem vive e reparte a esperança, alimenta permanentemente a fé, ouvindo a Palavra, reconhecendo o favor de Cristo.
Neste mesmo sentido, noutra dimensão, com outra pujança, muitos passaram a viver esperançosos, a fruir das promessas de Deus como se elas já fossem até as alcançar de facto. Receberam a Palavra, germinou a fé, e partilharam a esperança.
Não foi assim que o evangelho chegou a tantos milhares de famílias em Portugal, depois que os pentecostais apelaram para que se vivesse o cristianismo como os apóstolos e os cristãos primitivos?
*
Se vos recomendo a leitura deste meu livro é porque sei que o contacto com o testemunho deste servo de Deus, que já não está entre nós há 23 anos, vos permitirá encontrar inspiração num exemplo próximo, na vida de alguém com quem convivemos e em relação ao qual há ainda milhares de testemunhas que confirma que chegaram á fé porque dele ouviram a Palavra que salva e ainda mantém a esperança sustentada nessa fé.  
O Dr. Kalley foi perseguido, maltratado, expulso. José Pessoa foi para a inóspita Guiné e percorreu quilómetros por terra e mar para chegar aos Bijagós, viveu as perseguições dos religiosos na Beira Baixa e um pouco por todo o país nos anos mais difíceis da propagação da Palavra no século passado. Ambos são inspiradores. Aquele por causa de uma velhinha à morte, mas confiante, este por causa do testemunhos de dois médicos ingleses que vieram a Portugal partilhar a fé, dar esperança.
E nós?
Fazemos o quê?
Estamos a morrer porque não partilhamos a fé viva que firma a esperança?
Temos a alma comprimida por algum derrame espiritual que nos desligou do passado, do tempo em que fruíamos das bênçãos de Deus?
Ou temos um trombo na comunicação com Deus que está a impedir que o sangue vivo, enérgico, poderoso, que fala do amor de Deus, derramado por Jesus, e definhamos por não termos socorro atempado?
Ou porque temos a convicção de que somos auto-suficientes, não queremos nada com os outros nem reparamos como vivem, nem nos interessamos pelo modo como abraçaram a fé e isso fez toda a diferença?
Para uns e outros, o grande exemplo é Jesus Cristo; é Ele quem pode salvar, mas também foi Ele quem mandou que todos os que gozam desse privilégio de ter alcançado a fé e viver a esperança se alimentem da partilha, sejam exemplo para muitas, muitas pessoas, todas quantas estiverem no nosso caminho se não tivermos coragem e oportunidade de ir ao encontro delas. (Como uma Bíblia pode mudar a vida duma comunidade: História do polaco colportor que emprestou uma Bíblia e regressou passado tempo ao local e viu os respectivos efeitos – mais de duzentas pessoas se aproximaram de Deus e algumas sabiam livros inteira de cor! – Cf. Novas de Alegria, Outubro de 1950)
Leia sobre os heróis da Fé. Daqueles de que fala a Bíblia e destes de que brevemente falei. Conheça mais de perto também o exemplo deste nosso querido e saudoso missionário e pastor José Pessoa, que se deu para partilhar fé e esperança.
«Lembrem-se dos dias passados. Vocês tinham acabado de receber a luz de Deus, tiveram de enfrentar grandes sofrimentos e mantiveram-se firmes na luta.» (Hb. 10:32, versão em português corrente).
Inspirem-se no passado para vislumbrarem nitidamente o futuro que já está nos vossos corações! Se há derrames ou trombos que impedem essa comunicação peçam ajuda, ajudem-se mutuamente a segurar a fé, a manter a esperança. (Leituras Salmo 107, João 14:1-3)
Como autor do livro ficarei agradecido e lisonjeado.
E não deixem de viver a esperança que a fé sustenta!
José Manuel Martins

Torres Vedras, 28 de Fevereiro de 2016 


  




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