Foi uma experiência emocionante preparar o original do que
é, agora, o Movimento do Espírito Santo. Os dons espirituais em acção e o culto pentecostal, livro escrito por
Samuel Alexandre Martins e editado por Letras d’Ouro, editores, 1ª Edição,
Novembro 2015. Não por ser uma situação nova ou particularmente diferente das
muitas semelhantes que tive até agora, neste trabalho que ninguém vê, de ler,
reler, propor, sugerir e finalmente rever a versão final. Foi-o em
razão da substância da obra e do desafio que ela propõe.
Teria prefaciado o texto partindo da ideia de que a
construção de um edifício não pode ignorar a natureza e estrutura dos seus
fundamentos. Construir sobre fundamentos de ferro um edifício de madeira,
desaproveita-os; construir sobre fundamentos de barro um edifício de cimento,
sobrevaloriza-os; deitar fundamentos de aço para sobre eles construir em palha,
é inutilizá-los; saber que os fundamentos comprovadamente servem um determinado
tipo de edifício, é irresponsável replicá-lo ignorando a massa de que foram
feitos… O problema actual, no que concerne à caracterização do Movimento do
Espírito Santo e a tudo o que, na experiência do século 20 lhe é peculiar, está
relacionado com o facto de uma dessas situações se ter propiciado de vontade,
de desleixo ou de ignorância.
Incomum seria não haver sinais de oposição directa, por
despeito ou inveja, ao que realizaram os pioneiros do Movimento Pentecostal. E
há-os. Estão visíveis no modo como muitos, querendo o mando, a evidência, a
glória própria, se queixaram da «opressão» estrangeira que não dava largas ao
surgimento de lideranças nacionais e se dava algumas era para mantê-las
subalternas. Todavia, por falta de mérito e forças próprias, essa onda
«libertadora» fez-se à custa do desaproveitamento do que havia, sólido, embora
singelo, e humilde, construindo «outra coisa» sem o declarar abertamente. Esse foi o «embuste». Parecendo que o rumo
estava balizado pelos princípios e valores estabelecidos, deu-se mais
importância a estereótipos importados, no auge da embriaguês da modernidade que
se gerou na mente de quem nunca saiu do burgo e se encantou com a imagem do
fulgor americano ou, depois, com a fluidez do descomprometimento brasileiro.
O mais dramático foi, no entanto, aceitar-se que a elite
emergente, constituída pela segunda e terceira gerações de crentes pentecostais,
construísse com materiais menos nobres enquanto permitia que os fundamentos,
por falta de investimento na sua permanente conservação, se enferrujassem. Na
verdade, deixar de acentuar o significado e valor salvífico da cruz de Cristo,
menorizar o sentido ético dos comportamentos de desvinculação da cultura
dominante, desvalorizar o sentido gregário e solidário da oração de apelo à
manifestação do poder do Espírito Santo, valorizar o investimento prioritário
nos elementos histriónicos ou de entretenimento, em prejuízo do estudo sistemático
das Escrituras coenvolvendo a comunidade, dar excessivo ênfase nas acções de bem-fazer
antes do aprofundamento dos fundamentos da fé não permitiu que se gerassem as
condições que fariam compatibilizar as opções pentecostais dos pioneiros com as
dos dirigentes da modernidade em tudo quanto nos planos teológico, doutrinários
e eclesiais formava a matriz do Movimento do Espírito Santo.
Nunca é tarde para recuperar uma composição descarrilada
desde que a máquina não tenha sofrido danos irreparáveis. Se ela só serve para
a sucata, os elementos da composição poderão integrar o património histórico
dum qualquer museu ferroviário, embelezar os arredores duma cidade, que foi
atravessada pela composição que integravam no seu apogeu, prenhe de
passageiros, ou pura e simplesmente cedida para estar ao serviço de linhas
frequentadas por passageiros que não lhe reconhecem o passado e apenas fruem do
que ela ainda tem de utilitário.
O desafio de Movimento
do Espírito Santo – Os dons espirituais em acção e o culto pentecostal é pertinente,
exigindo primeiro que se reflicta sobre o estado dos fundamentos do Movimento do
Espírito em Portugal e das condições actuais da qualidade da liderança, que já
vai pela quarta ou quinta geração. É que não nos parece útil, para suscitar
consenso, essa reflexão que não parta da verificação das condições concretas em
que se gerou a encruzilhada ou dos obstáculos que implicaram o descarrilamento.
Se for possível sinalizar o rumo no local em que se dividiram os caminhantes
(uns, entenda-se, foram sempre em frente, mas mais débeis, outros seguiram para
a esquerda, outros para a direita, com mais ou menos entusiasmo, à procura da
modernidade de que só tinham vislumbres… outros terão mesmo ficado para trás,
perdidos e a lamber as feridas do abandono…) ou repor os carris onde se cortou a
circulação (uns ainda estará à espera de saber explicar o sucedido, outros a
cogitar sobre as causas do acidente e outros ainda a caminhar, pelo seu próprio
pé, deixando tudo para trás e alimentando-se da memória, sempre traiçoeira…), se
for possível encontrar o ponto de equilíbrio da visão pentecostal implementada
pelos pioneiros e ajustá-la, quantos aos métodos que a contemporaneidade exige,
que não quanto aos fundamentos que devem ser postos de novo a descoberto, se
houver maturidade para escolher o caminho da unidade na acção, assente nos
princípios da entreajuda, do respeito pelas lideranças reconhecidas e vontade
de servir, então será possível ambicionar um recomeço para um segundo século
frutuoso. Doutro modo, o que por aí campeará pode ter resquícios do Movimento
do Espírito Santo, mas nunca será o esplendor da visão dos que lançaram os
fundamentos.
Sem comentários:
Enviar um comentário