quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Os velhos precisam de amor...



Suponho que o tema já tenha sido abordado aqui, no nosso Largo. Não me lembro e também não vou confirmar. De qualquer modo e com a vossa permissão vou abordá-lo a propósito do testemunho de Esther Tusquets, entrevistada pelo Expresso a propósito do seu romance "Bingo!".

P. "Bingo!" é também uma reflexão sobre a velhice, sobre o processo de envelhecer...

R. Sim, sim. Este é o começo do meu interesse literário pelo tema da velhice. As pessoas querem viver, viver, viver cada vez mais. E não sei bem para quê, porque a vida já é suficientemente grande, há tempo para fazer muita coisa. Por outro lado, a velhice é uma coisa sinistra.

P. Sinistra?

R. Sinistra, sim, Sabes que cada dia ficarás pior do que no dia anterior, e aos amigos, a partir de certo momento, só os encontras nos funerais. É claro que também há coisas pelas quais vale a pena viver, mas não tenho vontade de ficar por cá até aos 100 anos. Parece-me uma ideia absurda».




Não há dúvida que, hoje, ninguém quer morrer (não há regra sem excepção, como sabemos; a TV dá-nos, de vez em quando, notícia de que algumas pessoas querem morrer, mas não se podem suicidar, por incapacidade física, nem têm quem as queira matar, por impossibilidade legal...). Gerou-se nas consciências o mito de que, um dia, a ciência nos perpetuará, sem limite de tempo (no fundo, digo eu, é a ideia de vida eterna, consubstanciada em pressupostos religiosos ou de fé, transferida pelos incréus para o campo das realizações humanas - o homem-deus é capaz de tudo, por isso é sábio esperar...). Há dias fui mostrar um RX dos meus joelhos ao médico especialista em reabilitação física. O homem exclamou, convencido:
«Tem joelhos para mais 50 anos!»
A brincar observei-lhe que, sendo assim, podia ir a pé para a... tumba! O homem não se ficou e, cheio de ciência, disse:
«O nosso azar (ele terá a minha idade...) foi termos nascido no século passado! Olhe, se tivéssemos nascido hoje, garanto-lhe que até aos 100 anos chegava e os joelhos far-lhe-iam falta para caminhar direito e sem bengala!» Mais convicto ainda: «Não se esqueça disto: nós (referia-se aos médicos e aos «deuses» todos ligados à investigação...) estamos em condições de garantir que, no próximo século, as pessoas viverão 150 anos!».

Observei-lhe que, há pouco tempo, tinha assumido o patrocínio duma senhora que, aos 104 anos, herdara a fortuna dum sobrinho de 72... Casos como este são raros: 104 anos, relativa boa saúde, cabeça no lugar, capaz de compreender o fenómeno que lhe caiu nos braços... «Agora ainda não, mas em breve isso vai ser muito comum... Viver 150 anos vai ser coisa generalizada...».

Por agora, o que eu vejo é que, em regra, quem chega aos oitenta, «o melhor deles é canseira e enfado»... Ontem fui estar com a minha sogra, que tem 89... Só vi enfado e canseira, nela e nos que gravitam à volta dela, naquele universo de velhos e velhas... Os que vivem velhices activas, úteis, são poucos e, em regra, são aqueles que a natureza dotou de especial robustez, não os que andam de pé à custa da ciência e dos químicos que ela inventou (quanto mais dura o consumidor, mas ganha o produtor... e os prestadores de serviços associados, que garantem a melhor qualidade de vida aos cansados e enfadados... e mais se afunda o Serviço Nacional de Saúde e o Sistema Social de Pensões...).

É mesmo uma ideia absurda perpetuar o enfado e a canseira! O ideal é que cada um morra «em boa velhice, velho e cheio de dias», como aconteceu ao patriarca Abraão... que chegou aos 185 sem recurso aos químicos.

Compreende-se o «absurdo» da velhice até aos 100, sustentado pela escritora, diante do «enfado e canseira» dos velhos, ou seja, são eles, pela sua postura, que declaram penosos os dias da sua existência...

Nesse estado, precisam de amor, não de «experimentação científica» …



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