sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Não é paradoxal?

Ouvimos o gritar frenético dos que dizem ser ilógico gastar rios de dinheiro para julgar um homem (dito «sem abrigo») que furtou dois artigos numa loja. Os que participaram nessa «gritaria» têm razão e não têm nenhuma: não se justifica para julgar uma acção dessas tanto tempo e tanto dinheiro, mas não se pode passar uma esponja sobre actos que são tipicamente censuráveis (e não me parece defensável eliminar esses comportamentos do rol típico dos actos censuráveis criminalmente...). O mais correcto talvez fosse (e há muito quem pense assim) o julgamento imediato com todas as garantias de defesa. Evitavam-se gastos próprios do arrastamento burocrático dos processos, com dezenas de promoções, despachos e diligências e dar-se-ia satisfação imediata aos interesses de prevenção geral, contribuindo para sustentar o sentimento de segurança da população.

Há outras situações, porém, que não são mediatizadas e ficam reservadas às páginas dos processos, onde se consomem recursos significativos e que mostram à saciedade que algo não bate certo. Por exemplo: padrasto e enteado envolvem-se em discussão, dentro de casa, e este esfaqueia aquele, que apresenta queixa com fundamento em tentativa de homicídio. No depoimento descreve pormenorizadamente os factos e a sua motivação. Foram os bombeiros quem o vieram socorrer e a polícia vistoriou a casa e deteve o alegado agressor. Foram lavrados autos donde constam as declarações de várias pessoas que viram o ofendido ser levado para o hospital. Dentro de casa estavam os dois homem e, ainda, uma irmã do alegado agressor. O Ministério Público investigou a acusou o alegado agressor dum crime de ofensas corporais agravado (não se indiciou a tentativa de homicídio), e indicou como testemunhas os agentes policiais que estiveram no local dos factos e lavraram os autos, a vizinha do lado que tinha presenciado os factos, o ofendido e ofereceu os documentos hospitalares. No julgamento o arguido exerceu o direito ao silêncio, os polícias ou não se lembravam dos factos ou remetiam o que sabiam para os autos que elaboraram, o ofendido exerceu também o direito ao silêncio (padrasto, podia fazê-lo...). O arguido, que contestara a acusação, alegando legítima defesa/retorsão, prescindiu da prova que indicara... Parecia que estava terminado o julgamento. Eis senão quando o juiz se lembrou de mandar chamar a irmã do arguido admitindo que, estando presente em casa, pudesse contar o que se passara... Ela veio, mas exerceu o direito ao silêncio! Resultado: absolvido o arguido por não se terem provados os elementos típicos do ilícito (falta da acção típica...).

Dirão uns: Boa! A família protegeu um dos seus... O mais importante é a família...
De acordo.
Mas os custos dum processo desta natureza não impressionam, para chegar ao fim e concluir que não havia ninguém para responsabilizar por eles? Quanto custou a assistência hospitalar, as deslocação policiais e da ambulância, dos médicos e paramédicos, o trabalho dos oficiais de justiça, dos procuradores, do juiz, do advogado de defesa, das burocracias associadas? Muito dinheiro! Quem paga? Nós!

E solução para estes casos? Há várias, mas ainda não estão incluídas na nova reforma da justiça, coitada, que vive sempre «na reforma»...

A mais simples seria que, identificado o grau de parentesco ou de afinidade entre o ofendido, o arguido e as testemunhas, logo em inquérito o ofendido e as testemunhas fossem ouvidas por um juiz para memória futura. Se quisessem exercer o direito ao silêncio, falo-iam no início do processo. Exercendo-o, o Ministério Público sabia com o que contar... Não o exercendo, as declarações valeriam como meio de prova em julgamento.

Protegiam-se, assim, o interesses da família e diminuíam-se substancialmente, em caso de julgamento, as hipóteses de «deitar fora» anos de trabalho e rios de dinheiro...

Saber-se que foi praticado um crime grave e, por razões meramente formais, não se poder tirar conclusões para se saber quem, quando e como tal crime foi praticado e quais as respectivas responsabilidades, depois de anos e anos a investigar, acusar e julgar, é paradoxal, não é?

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