sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

50 anos depois (assaltos em Luanda)…

A efeméride tem significado mesmo para os que sofreram as vicissitudes da guerra. E têm-no, seguramente, para os que combateram, patrioticamente, convencidos de que dignificavam a memória dos portugueses ilustres, que deram a vida por uma «causa maior»: Portugal para além das suas fronteiras neste canto da Europa!
Falo, obviamente, do 4 de Fevereiro de 1961, em Luanda.
Nessa altura, tinha apenas 10 anos, mas o tema tocou-me muito de perto. Tenho presentes as memórias de criança, entre as quais a sensação de que ainda teria oportunidade de estar nessa terra distante onde tudo estava a acontecer e cujas notícias só me chegavam «filtradas», do estilo «o teu pai está bem, não há problema…». Não foi pelos jornais, que ainda não lia, senão as relativas ao FCP (nessa altura ainda não se fala do Eusébio, que me fez mudar de «orientação» clubística…). Mas os adultos iam interiorizando a ideia das alterações distantes… Especialmente logo que os jovens da terra começaram a ser mobilizados.
Quando eclodiram essas manifestações hostis à soberania de Portugal em Angola, o meu pai vivia e trabalhava em Luanda. As notícias dadas por ele, que me lembre (nessa altura eu já lia ou ouvia a minha irmã mais velha ler à nossa mãe as cartas do meu pai, única forma de sabermos dele) eram mais no sentido de que deixou de haver trabalho em Luanda, está tudo parado…Tanto assim era que nesse ano, ou início de 1962, foi até Moçambique, à procura de trabalho nos países vizinhos… Voltou a Luanda logo que as coisas serenaram e os militares tomaram conta da situação no território.
Nasceu em mim, nessa altura, o desejo de conhecer aquelas terras, aquele mundo de que o meu pai falava. Mas não me imaginei a percorrer montes e vales, ao sol e à chuva, durante 3 anos, para «servir a causa de Portugal» 10 anos depois de a «guerra» começar naquele dia de que hoje se fala por terem decorrido 50 anos! Levaram muito tempo a pensar os políticos da época. Tiveram apenas «engenho» para dar corpo a uma solução militar, que, depois, os militares sustentaram, corporativamente, até que lhes deixou de interessar… De facto, os militares portugueses são os responsáveis pela manutenção da guerra e os fautores da desgraça subsequente ao «golpe» que lhe pôs termo. Desgraça para os povos irmanados por décadas e décadas de convivência, que tinham aspirações de paz e progresso. Desgraça para milhares de pessoas que se viram, de repente, a deambular pelo mundo, à procura de poiso, a procurar raízes no torrão natal dos ascendentes, ou a mitigar a fome pelas matas adentro ou na periferia das grandes cidades do tempo colonial…
Hoje, dos militares que participaram dessa campanha a favor da alegada unidade de Portugal (não me interessa, agora, a fórmula política que ela podia revestir…) restam poucos generais… mas estão espalhados pelo mundo milhares e milhares dos que a sofreram no corpo, obrigados a integrar os contingentes sucessivos, e que vivem «revoltados» por não se lhes dar o reconhecimento devido. Afinal não se rouba três anos à juventude de um homem e, depois, como «recompensa», diz-se-lhe: «Não valeu a pena!»
Curiosamente, hoje mesmo acabei de ler um livro sobre a experiência de um jovem militar em Angola, em 1969/1971. Está em «Nostalgia entre Angola e o “Puto”» um retrato psicológico, sociológico dos que, de baixa patente ou simplesmente praças, eram arrancados das suas terras para serem depositados, durante dois anos, num canto qualquer dos inóspitos territórios onde se manifestavam bolsas de guerrilha. Trata-se dum relato emocionado da falta de sentido para a mobilização dos jovens, que já não tinham, nessa altura, qualquer sentimento patriótico em relação à defesa daquela «causa maior». Isso via-se no dia-a-dia da «guerra» angolana no início dos anos 70: muita gente, muita tropa a «comer» do orçamento da «guerra», mas completa ausência de envolvimento nas questões viradas para o futuro da liderança política… A guerra era um negócio, os militares mobilizados da juventude anónima «davam-lhe» três anos da sua vida. Sem garantias de retorno desse «investimento». O lucro do negócio entrava «no bolso» dos que faziam carreira na guerra e no dos que lançaram investimentos para enriquecer de imediato…
50 anos depois, olhando para trás, melhor fora que Portugal se tivesse mobilizado para garantir o progresso dos povos, dando oportunidade às soluções pacíficas e de envolvimento da sociedade civil, a que trabalha e produz riqueza.
Talvez a Nação, estando mortos todos quantos labutaram na guerra, ainda venha a reconhecer que, afinal, esse esforço não serviu a ideia da portugalidade no Mundo.

José Manuel Martins

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