quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Do quotidiano

Bonito dia está hoje! Estamos no Verão de...S. Martinho.
Dá até para ir à praia, abrir o chapéu-de-sol, uma cadeira e ler um livro, levantando, de vez em quando, os olhos para contemplar os movimentos das gaivotas no ar, à boleia da brisa morna que vem de... não importa o ponto cardeal, vem de qualquer lado e é agradável! E quando a brisa sopra, mansa, morna, as gaivotas são as primeiras a deixarem-se embalar, planando, planando, poupando energias…
Mas, para mim, o dia «amanheceu» cedo, muito cedo. Comecei a trabalhar às cinco da manhã! Perdi o sono (aliás, tenho quase a certeza que não dormi nada, pela canseira que já se apodera de mim...) e fui dar expediente a umas coisitas pendentes.
Às 9 horas e quinze minutos, já estava no Tribunal, para uma audiência de julgamento, marcada para as 9,30 (ser pontual tem muitos custos: esperamos sempre por quem chega... atrasado!). Então não é que me «calhou na rifa» um patrício de Angola, candengue de 20 anos, que andou por aqui a assaltar meninas com telemóvel... Está acusado de, por esticão, roubar um telemóvel Nokia, dos bons, pá, e ter dado à soleta... O azar dele foi que deixou para trás o compincha, de São Tomé, menos candengue, que é coxo, e foi apanhado pela polícia, já sentado no café, com arma branca no bolso, a gozar dos rendimentos do trabalho de assaltar miúdas para lhe «esticar» as coisas da carteira, onde tinha dois (dois, que um não chega...) telemóveis... Foi no tribunal, no juiz, para ser ouvido e fixada medida de coacção… contou uma estória… que a faca ponta e mola era só para descascar uma laranja, mais nada, não… O juiz lhe mandou embora, com termo de identidade, para aguardar a conclusão do inquérito…
Roubo é coisa grave, que merece pena de prisão de 1 a 8 anos. Ou mais, muito mais, se a coisa for mesmo violenta, com aquelas circunstâncias agravantes de entrar dentro da casa, assaltar lá mesmo dentro, no cofre, nas gavetas, manietar pessoas, sei lá, tanta coisa ruim que merece pena mais alta, mais grave… Bem lhe convidei, por escrito, a vir no meu escritório, para me explicar a situação, a ver se podia «virar» a coisa mais pró lado dele. Me saiu do bolso o dinheiro para a carta, o selo... mas o candengue não apareceu, nem disse nada... Hoje também não compareceu no Tribunal, mas também o «sócio» não compareceu, o que contou a estória da função da faca... Toda a gente disse «sim!» à chamada: a ofendida, os polícias, os advogados... e o tribunal colectivo estava constituído... Deles, dos candengues assaltantes de esticão, nada, não se sabe nada... O patrício que tenho que defender estará na «nossa» terra, lá mesmo no musseque, no Rangel, no Sambizanga, no BO, no Cazenga, no Palanca, no Roque Santeiro, nem sei mesmo eu que sou seu advogado, onde não vai mesmo ser encontrado para vir cá, no tribunal, esclarecer essa coisa de andar no esticão a roubar as coisas das meninas, que os paizinhos lhes deram para namorar... namorar mesmo no telemóvel, que é chique, e põe nos bolsos dos capitalistas das empresas daqui (mas o capital é de muitos «lás» …) muito dinheiro... os portugueses falam mesmo no telemóvel... cada um tem mais que um telemóvel... 16 milhões de aparelhos, todos modernaços, para 10 milhões de pessoas... se a estatística falasse verdade, eu tinha 1,6 telemóveis! Mas não fala: eu mesmo só tenho um, que não é da moda, e espero que um patrício qualquer não venha por trás, aqui mesmo no meu bairro, «pedi-lo» por esticão...
Assim, duas horas de trabalho para nada! Não vamos muito longe e estes patrícios candengues que andam no esticão e fogem também não ajudam nada...
Agora o patrício escapou, não veio na justiça aqui do meu bairro, prestar contas, responder... Ah! Mas ele é ainda candengue e se não lhe matarem mesmo aí onde está a fugir daqui, quando voltar pode ir, directamente, dar com as costas na prisão... Então lhe recomendo que se fugiu, não volte mesmo nunca mais... E não volte mesmo na Europa, que tem computador por todo o lado, nos aeroportos… para controlar quem anda na fuga da polícia, que tem ordem, mandado, do Tribunal para deitar mão a acusado ou condenado ao «deus-dará» …
Depois fui à florista... a minha mulher faz aninhos e comprei-lhe um ramo de flores... Bonito! Orquídea envolta em verde, muito verde... como é a esperança de que vamos sobreviver, sempre juntos, depois de mais de 35 anos a remar para a foz do rio em que vamos desaguar, velhinhos de dias... enquanto ela (e eu, claro) fizer anos!
Pode ser que a gente encontre o sítio porreiro para almoçar, vendo o Sol lá no alto, com o horizonte azul a encostar-se no mar calmo deste dia 4 de Novembro de 2010, ano do Senhor. E as gaivotas a planarem, no quentinho desta brisa de Verão outonal, em honra sempre do santo que o patrocina e do vinho novo e as… castanhas que lhe estão associados!
Não se esqueçam, se tiverem que sair de casa, de não andar por sítios onde um qualquer «patrício» mal formado lhes deitem a mão a qualquer coisa e, se puderem, apanhem o 22 (Ah! O 22 fazia o trajecto do Bairro Popular à Mutamba, na cidade capital da «nossa» terra… Se calhar o candengue fugido ainda me lê e apanha mesmo o machimbombo e aparece pró convívio… na «nossa» terra é assim, vem toda a gente para conviver, fazer festa…) e venham comigo beber uma «Cuca», que hoje pago tudo.
Estou feliz!

José Manuel Martins

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