quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Crianças sem sorte...

Um dia feliz para todos (em particular para o Joaquim[1], a quem desejo emoções fortes na visita à capital, à cidade de Amália; mas também à Letinha[2], cujos ouvidos se «enternecem» com o chilrear da passarada que já devia estar longe, à procura doutros destinos, como é costume, mas que o Verão do Outono ainda retém; ao Hélder[3] para não «desesperar» com a brancura dos jardins, pois não tarda e chegará o «futuro» e com ele a Primavera...)[4]

Hoje pensei nas crianças deste país, desafortunadas, sem lar! Fi-lo a propósito dum caso concreto... Existe por cá, neste Portugal prolixo em leis, uma Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo! Já todos ouviram falar dela, certamente.

A N. nasceu há 13 anos com patologias graves, a carecer de acompanhamento médico; a mãe, com outros filhos (agora vive com quatro e do Rendimento Social de Inserção...), entregou-a aos 6 meses de vida a uma família, também com muitos filhos e a viver de subsídios... Passaram os anos... Na escola, já com cerca de 10 anos, a frequentar a terceira classe, alguém reparou que tinha fome, sofria maus tratos... Vai daí foi parar a uma Instituição de acolhimento e iniciou-se o dito processo de protecção de crianças em perigo... Iniciou-se há dois anos! Ouviu-se em declarações o pai dela (que já teve tempo para tudo: enterrar o pai dele, depois de ir buscá-lo à Guiné, fazer outros filhos, com outra mulher, menos para procurar a N. Declarou, ainda, assim que quer a filha com ele e recusa que vá para adopção!); ouviu-se também a mãe em declarações (que já pariu outras vezes, vive de subsídios, não visita a filha e, ainda assim, não aceita que esteja institucionalizada e quere-a com ela, com os irmãos... talvez para revigorar o seu Rendimento Social de Inserção...); ouviu-se ainda a «ama», a matrona a quem a N. trata por mãe (mas que deixou de a visitar na instituição, desculpa-se sobre os maus tratos e alega que nunca lhe deu fome... e quer que ela volte para junto de si, para o seio da sua família...); ouviram-se os técnicos da Segurança Social e da Instituição onde entregaram a menina, que defendem que ela deve ser colocada em instituição com sinalização para ser adoptada («Confiança a instituição com vista a futura adopção», assim se designa legalmente a medida de protecção»).

Com isto tudo andou entretida a Justiça! Por dois anos…Agora «lembrou-se» (ela, a dita Justiça...) que a criança tem que ter um advogado, porque entretanto fez (e ultrapassou...) doze anos, que deve alegar por escrito o que entender em relação à medida proposta e a tudo o que respeita ao futuro de N., em 10 dias, e oferecer provas! Só depois se passará ao debate judicial para fixar a medida de protecção...

Imaginem um advogado, nomeado pela Ordem dos Advogados, por solicitação do Tribunal, confrontado com 300 páginas de papel, dezenas de relatórios, que se quiser falar com a menor tem que pagar do seu bolso as despesas de deslocação e, ainda, passar por uma teia burocrática de autorizações prévias (afinal não se pode chegar à instituição e dizer: «Quero falar com a minha constituinte!»)...

Na verdade, existe a verdade «oficial» e essa aponta no sentido da menor ficar institucionalizada para ser adoptada...

A criança, que declarou querer voltar para a família da ama, a única pessoa a quem chamou «Mãe» (a qual desculpou por lhe dar umas palmadas, por a mandar lavar a loiça, arrumar o quarto, ter permitido que a queimassem com uma moeda, não a ter levado ao médico durante meses, quando ela é doente desde o ventre...) não deverá ser atendida (espero que não...); os pais não são alternativa (é a má consciência deles que dita a sua posição: cada um por si quer ter a filha e cada um diz por si que o outro a não deve ter...).

Resta a institucionalização «pelo resto da vida» (em teoria até à maioridade)... É castigo? É! Uma criança tem direito a ter uma família e ser feliz no seio dela. Mas não é castigo maior entregá-la aos pais ou à ama? Parece...

Agora fica a parte utópica dos técnicos: vamos arranjar-lhe, entretanto, uma família adoptiva! Aos 13 anos, mal sabendo ler e escrever (apesar de já ter passado para o 5º ano... ou 6º?), com problemas de saúde graves e já não falo na cor da pele porque não sei qual é (se o pai é guinéu...) há, por acaso, no nosso universo, quem queira adoptar a N.?

Bem, hoje o dia vai ser «pesado» aqui no nosso Largo.[5]Mas queria dar-lhes um «cheirinho» do que vai pelas secretarias dos tribunais portugueses mesmo quando se trata de processos urgentes e que visam acautelar crianças em perigo: DOIS ANOS é pouco tempo para definir o destino a dar-lhe para, do mal, o menos, ter...futuro!




[1] O Joaquim mora em Caneças, mas gosta de percorrer Lisboa, que vem perdendo encanto. Escreveu «Na Rota de Diogo Cão», «Trinta Tretas» e «Patranhas 100 Poesia». Literatura com sentido, em prosa e em verso, com simplicidade, com alma…

[2] A senhora professora, que dedicou a vida a formar crianças no Portugal recôndito, na Sertã, capaz de reflectir sobre a vida e os seus problemas mais cruciais.

[3] Acreditou numa Angola próspera, feita pelos da sua geração… No Canadá encontrou o seu espaço de felicidade. Vê o mundo com os olhos bem abertos e realisticamente.

[4] São amigos porque dão vida a um espaço de tolerância onde nos sentimos em casa. Este apontamento faz parte da «conversa» diária, que uns alimentam mais do que outros, com que celebramos a amizade.

[5] «Largo» é o espaço virtual do Bairro onde conversamos…

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