sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Vendo uns raios de sol...

Presumo que os esquimós não precisam de comprar gelo... por enquanto! Mas a questão fulcral para o vendedor é exactamente essa: vender-nos o que não precisamos... A arte está em momentaneamente, artificialmente, induzir a vontade de ter algo, que é o que ele traz na mala. E se eu quero e ele tem... está o negócio feito. Mesmo que, depois, o produto fique num canto, sem préstimo.

Não é o caso do Joaquim (ele não disse o título da obra, mas será útil a qualquer mortal fazer a viagem do Diogo Cão, encantar-se com Tretas ou desmontar Patranhas...), que deu o melhor, não querendo que o homem lhe saísse de casa sem fazer...negócio! O pior que pode acontecer a quem vende é não fazer negócio...

Bem mais a sério, vivemos atolados em coisas inúteis, que adquirimos sem ponta de racionalidade. Porque estava na moda, porque era mais eficiente, porque somos vanguardistas, porque somos ricos... Periodicamente arrumamos a casa, o escritório, o carro, a oficina e concluímos que nos sobram objectos, alguns nunca usados, outros apenas experimentados. E o drama é que não temos quem diga: «Alto lá, eu preciso disso!» Toda a gente, meus amigos, está servida, não tem falta de nada... É preciso que coloquemos a tralha no Contentor para aparecerem os necessitados... «Necessidade envergonhada», porque há necessidade de bens que alguns desperdiçam, lá isso há! Estão a acompanhar a campanha que vai por aí, a da «fome envergonhada»? Ninguém pede nada ao vizinho, por vergonha, mas, depois, vão de mão estendida ao Banco (ao banco alimentar...). Não podíamos ajudar, em vez de deitar para o lixo, sujeitando os necessitados ao vexame público, que, embora quase sob anonimato, os recolhem, fazendo-nos «vendedores» do que temos a mais e ajudar quem, de facto, tem carência?

E quando o que deitamos para o lixo são livros, atentamos contra os direitos daqueles que nunca os leram. Mas também sucede. De vez em quando, porque não aprendemos a «vender» a quem precisa, lá vão uns não sei quantos exemplares de livros para o balde dos resíduos urbanos... É mal! Quando vier um vendedor a nossa casa, pelo menos isso: não o deixemos ir embora sem fazer negócio, antes negociemos com ele qualquer coisa que não nos seja útil. Quiçá por simpatia, porque o recebemos bem (já não é comum deixar entrar quem quer que seja em nossa casa...), porque lhe demos um copo de água, nos compre um livro, um CD, qualquer coisa, apesar de não nos ter convencido que tínhamos necessidade do que ele trazia para vender.

Prometo: da próxima vez que alguém quiser entrar na minha casa para me «vender» uma doutrina, uma ideologia, vou recebê-lo com carinho e, antes que saia, convencê-lo de que tenho «produto» melhor, capaz de fazê-lo mais feliz se mo... «comprar»! (Já viram melhor pretexto para deixar, por uns minutos, a TV a «falar sozinha» …)

Bem... Com isto tudo não «vendi» o que tinha para vender: o sol de Outono! Hoje fui à praia e trouxe uma mão cheia dele: fui apanhando uns raios quando ele, pelas 4 da tarde, se começou a inclinar para o berço, já exangue de tanto aquecer a água do mar, quando devia estar escondido e deixar que a água esfriasse. Uns raios que prateavam as águas, outros que mudavam de cor, parecendo que se exauriam do sangue que lhes aí nas veias... Raios de sol de Outono que se extinguiram, por detrás do horizonte, por volta das 19 horas, ainda incandescentes, mas já para outros olhos, outras gentes...

Estava óptima a água do mar, balanceando-se, ternurenta, sob tão serôdios raios solares, que, por ora, retardam a minha depressão Outonal... Só, peito ao léu, sentado numa cadeira rasteira, que me permitia ter as pernas sobre a areia morna, li muitas páginas do Rio das Flores, retomando a leitura da obra adiada há meses... Fui pensando no Sol e como se apresentaria àquela hora lá para os lados do Brasil, terra em que Diogo, o morgado de Estremoz, protagonista da trama, pensa fazer negócio... Terá técnica e produto? Ou no Brasil de então comprava-se tudo por...necessidade?

Para quem quiser, ainda tenho na memória uns raios de sol colhidos hoje e posso...vendê-los!

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