Veneno agridoce (parte dois)
O que em abstracto reflecti pode concretizar-se «em rostos», «atitudes», situações vividas, umas vezes com surpresa, outras à revelia de toda a normalidade nos relacionamentos, afinal inquinados, envenenados.
Um dia
«M, magoado comigo!?» – exclamei, interrogando-o e interrogando-me. Foi surpreendente aquele momento. Mas, em simultâneo, ocorreu-me que fizera tantas vezes esta pergunta: «Algo se passa com
Entre nós existira sempre o à-vontade da familiaridade de dezenas de anos de relacionamento, da disputa de muitas opiniões divergentes, da conflitualidade de gostos, sensibilidades e preferências respeitáveis. O nosso relacionamento era fraterno, sem mágoa! Mas, afinal, entrara uma «areia na engrenagem», que há muito vinha a prejudicar a dinâmica do nosso relacionamento, reduzindo-lhe, paulatinamente, o rendimento e aumentando-lhe o ruído…». Que fizera ou dissera para o magoar?». Passam-nos pela mente cópias de vários filmes: uns que vivemos, e em cuja trama pode estar o sinal da mágoa, outros que imaginamos, onde, hipótese sobre hipótese, vamos descobrir o que supomos ser a razão da doença… Se não registámos, no momento, o «vírus» que gerou a mágoa, não é rebobinando a filme que o descobriremos; se lhe tivéssemos dado vida em consciência, fácil seria: «em tal dia, em tal lugar, diante desta e daquela pessoas, por isto e por aquilo, eu disse isto, fiz aquilo…». Mas não, estávamos de consciência tranquila, sinceros como sempre, sem reserva mental ou hipocrisia.
«Lembras-te? Um dia, em tal sítio, perguntei-te se pagavas o café e tu disseste que sim mas… só se fosse com veneno…». Fiquei boquiaberto, mas não neguei. Podia ter dito, mas não me lembrava; se o disse, o contexto teria sido humorístico, irónico, estaria relacionado com algo que a mim me sugeriu a frase, mas que a ele escapou completamente. Um amigo magoado, melhor, envenenado, por causa do que disse (disse?) sem qualquer intenção ofensiva… Ah! Não há nada pior que termos um amigo magoado connosco! Aprendi que podemos envenenar uma relação, vivê-la doentiamente, porque deixamos prevalecer o agridoce do veneno, até uma dia… Neste caso, a tempo de tomar o medicamento e curar a doença corrosiva, dinamitar a bomba antes que ela explodisse e fizesse maior mossa fora do nosso círculo relacional.
Admiti a culpa, pedi desculpa e, agora, somos ainda mais amigos, mais irmãos!
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