sexta-feira, 24 de julho de 2009

Veneno agridoce (parte três)

Não foi há muito tempo que F me abordou, querendo falar-me em particular. Tinha acabado de discursar numa cerimónia pública de apresentação de um livro. F estava na audiência, com o seu marido. Pensei tratar-se de algo referente ao que ouvira e queria, eventualmente, criticar ou aplaudir ou, quiçá, pedir algum esclarecimento, opinião, sei lá, qualquer coisa relacionada com o evento…

Disponibilizei-me. Também não tinha muito espaço de manobra nem é meu costume escusar-me a este tipo de interpelações. Às vezes lamento não ter dito não, estou com pressa, não é o local nem o momento indicados, outra desculpa qualquer, porque, afinal, querem-me fazer pergunta sobre senhorios, inquilinos, poder paternal, divórcio, multas de trânsito, acidentes de automóvel… Na ocasião, conhecendo F de vista, não admiti que o tema da conversa saísse do assunto da cerimónia: os elogios que fiz à obra, ao autor, à editora… Não! F estava desiludida comigo e imputava-me acções e omissões, que não tinham um fundindo de verdade, e convivia com isso há anos (em cerimónias públicas, encontrávamo-nos, pelo menos, duas vezes por anos, ou seja, já tínhamos estado no mesmo espaço várias vezes, em anos diferentes, e nada, nunca me dissera nada….). Para F eu tinha sido mau profissional numa causa concreta que patrocinara durante vários anos e cujo sucesso tinha sido pleno pois os meus constituintes, que eram autores na demanda, viram sufragada judicialmente a sua pretensão no tribunal de 1ª instância, no Tribunal de Relação e, pasme-se!, no Supremo Tribunal de Justiça. Nas instâncias e no tribunal de revista! Só faltou levar o assunto ao Tribunal Constitucional…

Vivia aquela alminha com uma ferida medonha, sempre a sangrar, especialmente quando me tinha por perto, e esperou anos para «despejar» o saco, «largando» a bomba que, naquele dia, trazia sem espoleta querendo-a ouvir rebentar, estrondosamente, nos meus ouvidos: «Disseram-me que o senhor doutor se pôs do lado de S e não lhe tirou o templo, que fomos nós que fizemos com o nosso dinheiro e o nosso trabalho…». Dói! Dói quando é mentira, pois a acusação de deslealdade ou infidelidade ou traição é a «bomba atómica» na reputação dum servidor do direito e da justiça, em particular quando patrocina interesses que lhe são confiados. Mais uma vez o «diz-se que…» inquinou, durante anos, um relacionamento, que podia ter sido mais profícuo, mais transparente, mais sério.

A história da demanda é pública e acessível aos interessados em geral. Publiquei-a em livro sob o título Assembleia de Deus OU Igreja do Jubileu. F não tinha lido o que eu escrevera (ou lera e não ficara esclarecido, já não me lembro bem), e fizera um juízo definitivo acerca do resultado do meu trabalho demolidor! Porém, à medida que o tempo decorria, e verificava que as pessoas directamente ligadas ao assunto mantinham comigo uma relação normal de confiança, a convicção de F foi enfraquecendo. Por isso me abordou, quando as dúvidas eram maiores que as certezas iniciais.

Para F tinha sido injusto que «os outros» continuassem a usar o templo, quando tinham sido «eles» (grupo em que F e família se incluíam) a construi-lo… A «eles» deviam «os outros» devolver o que não lhes pertencia. Lá lhe expliquei, como fui capaz, que a demanda não visava dirimir a questão da utilização do templo, mas dos direitos dos membros da dona do templo. E que, quanto aos direitos destes, a decisão judicial os acautelara absolutamente. «E o templo, p’ra quem fica?» – insistia comigo. «Será sempre de quem for proprietário, que lhe pode dar o destino que quiser, dentro dos limites da lei…» – respondi.

Não esclareci F cabalmente, estou seguro disso, mas estou seguro que F ficou mais leve no fim da conversa, que concluiu: «Andei eu tanto tempo com esta ideia na cabeça, fazendo mau juízo do senhor doutor… arrependo-me de todo o coração e peço desculpa…».

Bom para ela, que ficou aliviada. Para mim foi bom também porque agora sei que F me olhará olhos nos olhos, sempre que me vir, e dirá para si mesmo que nem tudo o que se conta deve ser admitido sem contraditório, sem consulta das fontes, sem esforço e diligência na procura da verdade que, às vezes, está num livro que temos…à mão! Envenenou-se a si própria (não tenho notícia de que F tenha «envenenado» outros, espalhando a «notícia falsa», distribuindo o veneno agridoce da mentira – afinal, a verdade em que ela acreditava…) e podia ter-se «suicidado» não fora a minha disponibilidade daquele dia (afinal, como sempre, para «dar» conselho jurídico e não escutar um elogio, uma critica, o que fosse, sobre a minha «função» de «literato» de serviço…).

(cont.)

Sem comentários:

Enviar um comentário