quinta-feira, 23 de julho de 2009

Veneno agridoce

Há um passado escondido na mente que tolhe os relacionamnetos...

Não pode haver bons relacionamentos interpessoais com base em suposições, em informações não confirmadas, no «diz-se que...» fora do círculo dos visados ou nas suas costas! Sem nos darmos conta, vivemos anos a fio ignorando completamente que existem bloqueios interiores, anímicos, espirituais, que impedem outras pessoas de serem sinceras connosco (são simpáticas, aparentemente respeitam-nos, socorrem-se dos nossos préstimos quando estão em necessidade, tratam-nos até familiarmente, são, inclusive, capazes de manifestar resquícios de fraternidade…), sofrendo elas, porque, de certo modo, assumem, aqui e acolá, o papel de «faz de conta que não existe o problema», fechando-se a sete chaves na sua hipocrisia (para quê levantar um problema se o que sei, o que me fizeram, o que me disseram foi já há tanto tempo!), fazendo sofrer os outros que, não percebendo as razões dalgumas inopinadas alterações de humor, dalgumas tiradas críticas indirectas, dalguma indiferença no tratamento deste ou daquele tema, desconfiam da verosimilhança dos gestos de amizade, alguns objectivamente fraternos, pondo momentânea mas reiteradamente em causa a confiança que tal ou tais pessoas inspiram…

Mesmo quando adoptamos, em regra, uma atitude permanente de aproximação às pessoas, no pressuposto de que isso é possível, sendo sempre transparentes e sinceros, rogando-lhes, explícita ou implicitamente, que se relacionem assim connosco, não temos a garantia de que, pelo caminho, não fiquem «escolhos» que impedirão o fluir normal duma relação de amizade -ou simplesmente amistosa -, ou a consolidação duma leal e fraterna relação… Falta-nos o senso de, no momento próprio, esclarecer ou esquecer… Preferimos manter doentio um relacionamento porque não quisemos ter o «incómodo» de confrontar o outro com a «verdade» que vive connosco e nos perturba ou, pura e simplesmente, afundá-la no abismo do esquecimento donde nunca mais saia para inquinar a nossa vida social, o quotidiano que tem já motivos a mais de conflitualidade, quase sempre exógenos ao nosso querer …. Mas também acontece que guardamos o que pressentimos poder não ser verdadeiro, não ser bem assim como no-lo disseram... talvez se confrontássemos o visado – nosso amigo, conhecido, colega, camarada, irmão, cônjuge, sogra, sogro, qualquer outra pessoa vinculada ao nosso quotidiano profissional, eclesial, clubista, ideológico, académico, sei lá… – ele nos dissesse a verdade; e guardamos porque, intimamente, vive o pressentimento de que esse conhecimento nos pode vir a ser útil, do género: «Atiro-lhe à cara o que sei e perde aquele ar de pessoa séria…»; «se pensa que é santo, perderá a veleidade...». Duma certa maneira, residualmente, andamos armados contra os nossos amigos e ainda não disparamos ou demos a estocada porque os estragos não seriam como os imaginámos: devastadores! Quando abrirmos as hostilidades, não é com um clarão de cabeça de fósforo fulminado que queremos «iluminar» e tornar público, transparente, o que alojámos meses, anos a fio, no mais escuro do nosso ser; nem nos contentamos com o ruidozinho do fósforo incandescente, que, no estilhaçar da massa química, apenas pode molestar quem está nas imediações… Quando as abrimos é para fazer o mal que faz o arrebentar da bomba atómica, que não deixa uma célula de vida no epicentro e nas redondezas, a muitos matando ou irremediavelmente afectando para o resto da vida.

Mas o pior de tudo é quando levamos a «bomba» connosco para o «descanso eterno»: nem nos rebentou nas mãos, nem feriu quem nos rodeava, nem quem, estando longe, não tinha nada a ver com o assunto! O «doce» da reserva mental, do faz de conta, do frenesim de pensar «é hoje que rebento com tudo», do bater nas costa e intimamente dizer «um dia pagas-mas todas, e não há-de tardar muito», transforma-se no ácido que corrói por dentro quando dizemos «foi por pouco, mas não perdes pela demora», quando vemos ir para longe do nosso alcance o sujeito que queremos trucidar e ficamos a remoer «porque é que não te abati ontem» ou então quando ele entrega a alma ao Criador e nós ficamos com a «bomba» a derramar, lentamente, material corrosivo, que nos vai matando por dentro, roubando-nos a alegria de viver… O agridoce do veneno que ingerimos quando aceitámos sempre reflexão, crítica, contraditório o que nos sopraram ou nós ouvimos, mas descontextualizámos!

(cont…)

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