sábado, 20 de junho de 2009

O que compreendo tem futuro.

Foi há pouco tempo que descobri Soren Kirkegaard. Tomei-lhe de empréstimo um curto parágrafo com que abro o meu livro entre laços d’Ontem. Não é um autor fácil, nem a obra dele está muito acessível entre nós. Prometo a mim mesmo voltar a ler (e tentar compreender melhor o seu existencialismo… afinal ele é um filósofo profundo e conhecido por muito poucas pessoas, quiçá é apenas conhecido pelos filósofos mais informados…) o seu «O banquete», que faz pensar.

Vem isto a propósito do filósofo dizer que «a vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode ser vivida olhando-se para a frente». Tenho, ultimamente, olhado muito para trás, para o meu percurso, para o desenho dos meus sonhos, para o projecto de vida que fui esboçando… Só compreendendo tudo isso posso olhar para diante com esperança. Não há futuro sem esperança! Estou à espera do amanhã (compreendam-me: o amanhã é sempre o segundo seguinte…) para o enfrentar com o que hoje percebi (agora, há minutos atrás, há semanas, meses, anos…) sobre a vida passada!

Resolvi partilhar, neste contexto, umas «memórias» arquivadas… Ei-las:

«As nossas memórias sustentam-nos. Sem elas o presente teria muito pouco valor e não resistiríamos às exigências do amanhã – faltar-nos-iam as defesas! Recordar o que fizeste por nós, Senhor, anima a nossa confiança em ti.

Recordo-me da minha única Páscoa passada no Norte de Angola, quando era militar, jovem ainda, e estava isolado do Mundo. Mas tinha-te no coração, recordava a tua Palavra, o que significava essa festa. Doutras não me lembro nitidamente, nem antes nem depois. No essencial, continua a ter para mim o mesmo significado. Escrevi sobre esse tempo: ' O Cristo que vive em nós... A estadia em S. Salvador despertara em mim, no entanto, o sentido da Páscoa mais autêntico que eu conhecia. Relembrei, no canto escolhido para fruir a minha privacidade, a história da libertação do povo hebreu da escravatura do Egipto. O heróico Moisés, líder do povo divinamente investido, ordenara que se preparassem para a grande jornada. O êxito do povo dependia de cada família, que deveria dispor de um cabrito ou de um cordeiro, macho, sem doença ou defeito para imolar no fim do dia aprazado. Do sangue do animal fariam uma espécie de sinal para colocar nas ombreiras e nas vergas das portas das casas em que o animal tivesse sido preparado para a refeição. Esse sinal dava garantia de que a mortandade prevista para assolar a terra dos egípcios não abrangeria os hebreus preparados para tomar o caminho árduo que os levaria à terra prometida a Abraão, que deixara a sua parentela, em Ur dos Caldeus, onde nascera. A Páscoa não mantinha quaisquer sinais desse ritual hebreu, mas, na sua simbologia, ainda falava de libertação. No dia em que as mulheres galileias foram ao sepulcro novo, de José de Arimateia, em Jerusalém, onde Cristo fora sepultado, e não encontraram ali o corpo, consumara-se o processo de libertação de todo o homem.
Os sinais de religiosidade, que se mostravam presentes naquela cidade do Norte de Angola, não se articulavam com a vivência da Páscoa cristã me suscitava. Justificava-se exibir representações de Cristo morto por altura da Páscoa? De Cristo afirmava-se que estava vivo! Foram as mulheres, que o acompanharam desde a Galileia, que estavam presentes em Jerusalém no momento da crucificação, e os discípulos, que comprovaram, na própria manhã do domingo imediato ao dia da sua morte, que Jesus Cristo, o Messias, ressuscitara. (in "Zau-Évua, terra de ninguém, sítio de vivências", págs. 82/83).

Ainda hoje, Senhor, esse sacrifício salvador está vivo em mim e ele tem valor porque ressuscitaste! Preserva-me, Senhor, da religiosidade destes tempos que valoriza a exibição do "espectáculo" da morte, minimizando ou esquecendo que Jesus vive e está junto do Pai intercedendo por mim.»

Pois é! Num tempo pós-moderno como este o mais comum é que mudemos, até as convicções. Por tudo e por nada ouvimos dizer: «Isso era assim ontem! D’ontem p’ra hoje há uma distância enorme; nada é como dantes!» Mas há valores que resistem, desde que tenhamos compreendido a vida, a que vivemos, a que os outros viveram connosco. Se um dia fruímos do amor de Cristo (pode traduzir-se em pequenos detalhes objectivos, mas que correspondem a uma revolução interior) e agora percebemos o sentido que teve, ficamos prisioneiros (podendo, obviamente, desatar as cordas que nos prendem se e quando quisermos…) até amanhã, até ao dia da realização da nossa esperança!

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