CEM ANOS
RECORDANDO JOÃO SEQUEIRA HIPÓLITO
Não é a primeira vez que
recordamos João Sequeira Hipólito! Fizemo-lo, neste blogue, em 1915 e 1916.
Remetemos os leitores para o que então escrevemos.
Hoje, 7 de Março, se estivesse
entre nós, faria 100 anos. Partiu para morar com o seu Senhor fará, daqui a
pouco, 38 anos.
Parece que foi ontem, mas a
memória é curta e o seu percurso ministerial já só é – constatamos nós -
reconhecido por uns quantos… A história, quando ela se fizer, provavelmente, não transmitirá
às novas gerações o forte impacto do seu múnus, da sua fé, da sua persistência, da
sua convicção, da sua ousadia, do seu querer temerário, tantas vezes… É uma
pena que não se relembre, amiúde, o seu percurso, o seu exemplo, a inspiração
que foi, que ainda pode ser… É pena que as memórias que lhe plantaram «em
pedra» também se desliguem da realidade, se percam na voracidade dos novos
tempos, das novas ideias, dos novos caminhos, dos novos ideais… É pena que o
seu legado, sub-repticiamente, seja renegado, malvisto, espezinhado…
A revista Novas de Alegria, que dirigiu durante cerca de 9 anos, e de que antes, nos seus primórdios, fora administrador dedicado, certamente, a propósito deste centenário do seu nascimento, erguer-lhe-á um memorial, em palavras, de reconhecimento pelo que ele foi nas
mãos de Deus, instrumento muito usado durante mais de 40 anos… (Admito que esse
tipo de efemérides já não diga muito aos leitores da Revista, mas trata-se do centenário de alguém que «fundou» este projecto.)
Talvez, por reacção, ainda se venha a falar
mais, nos próximos tempos, do que ele representou. Serão, talvez, os irmãos na fé que não
desistiram de pugnar pelos mesmos valores básicos que ele ensinou, serão, ainda, alguns
dos seus discípulos que, para serem politicamente correctos, dirão umas
palavras de circunstância… Da nossa parte, com os parcos recursos de que
dispomos, queremos muito relembrá-lo, em nosso proveito e de quem nos seguir, deixando aqui este modesto apontamento, quiçá, no futuro, de modo mais desenvolvido se, para tanto, não
nos faltar o ânimo! Mesmo que, para isso, ainda tenhamos de trabalhar meses a fio... Mas não queremos para nós nenhum protagonismo. Tão-só tentar colmatar a lacuna que os (mais) obrigados a lembrá-lo mantiverem…
É com emoção que lembramos, hoje,
que, se estivesse vivo, João Sequeira Hipólito faria 100 anos!
Durante os últimos 38 anos muito
do que erigiu, convictamente, está em destroços, não é reconhecível, parece que
o vendaval modernista, que anteviu, lhe arrancou o ensino ministrado pela raiz…
Porquê? Ainda haveremos de sabê-lo…
7 de Março de 2017
José Manuel Martins
PS:Deixo aos leitores mais pacientes
(e interessados…) umas notas que bem poderão ser tópicos de um qualquer livro
sobre o percurso de João Sequeira Hipólito como líder do Movimento Pentecostal em Portugal.
Escatologia…
João
Hipólito interessava-se pelo que ia ocorrendo pelo mundo e procurava integrar
os eventos mais relevantes do pós-guerra (II Grande Guerra) numa perspectiva
escatológica, recordando o que ainda havia pouco tempo acontecera: a exibição
trágica do poder atómico, que foi usado como último argumento para vergar o
Imperador Japonês e o seu povo em guerra. Estava patente na sua análise essa
preocupação de ler os sinais do mundo e perspectivar o futuro, qual profeta.
Eram questões muito vívidas nos púlpitos pentecostais: as calamidades que
antecedem a segunda vinda de Cristo, nessa missão última de retirar os seus da
derrocada da humanidade e respectivas vivências e sequelas.
Catastrofismo…
As cenas de horror, as cidades
destruídas, o contexto «a ferro e fogo», a mortandade e a debandada davam
certezas aos catastrofistas e força aos anunciadores do fim do mundo. Tanto
mais «que não existe qualquer defesa militar contra a bomba atómica, que
qualquer nação pode vir a fabricá-la a um custo muito reduzido, o que poderá
levar a estrutura e ordem social à ruína e à destruição da nossa civilização».
E, ainda, «não poucos têm pensado que, no futuro, o homem volte aos tempos das
cavernas ou que pela desintegração dos átomos o globo fique num caos ou deixe
de existir.»
A verdade…
A realidade que a história da
Igreja mostra é que a unidade se garante na diversidade pois, apesar das
particularidades de cada uma das igrejas autónomas, como o foram desde o
princípio, «todos são do Senhor». Na verdade, «todos os movimentos evangélicos,
seja qual for o nome que tenham, são fruto do mesmo reavivamento espiritual que
tem aparecido em várias épocas e cada um deles revela uma coisa nova a respeito
de Deus e do seu plano, pelo que nenhuma dessas igrejas, no sentido
exclusivista, poderá afirmar, sem cair no erro, que só ela está na Verdade, mas
em sentido geral e bíblico todas estão na Verdade. Jesus é a Verdade!»
O
próximo…
São assim os religiosos e
moralistas de todos os tempos, que pregam a caridade mas não a praticam, que
exercem beneficência por competição, a qual não custa renúncia ou sacrifício. A nós, cristãos, não nos é lícito passar por alto os sofrimentos da
humanidade; é nosso dever e privilégio amar o nosso semelhante ainda quando ele
seja um inimigo. Ninguém que se diga cristão verdadeiro pode deixar de realizar
o que o Senhor Jesus Cristo fez ou o que Ele faria em condições idênticas.
Deixemos os prelados com os seus acólitos a mãos com os grandes problemas da
religião, da ética, da moral; porém, nós desçamos abaixo dos nossos interesses,
esqueçamos por um pouco os nossos quefazeres e repartamos das provisões que
Deus nos deu com o nosso próximo, seja ele amigo ou inimigo.»
A
Igreja de Deus…
O assunto, porém, arrastar-se-ia
por muito mais tempo e esse era o preço que pagavam os pentecostais por serem
tão pro-activos na pregação do Evangelho Total, que incluía também a cura divina
e, especialmente, o baptismo com o Espírito Santo. Tinha razão João Sequeira Hipólito ao expressar o
pensamento dos pentecostais acerca do que consideravam ser e «A Igreja de
Deus».
Denominacionalismo...
Faltava um esclarecimento final,
dirigido aos demais evangélicos, que se referia à organização dos pentecostais.
Na verdade, sabe-se hoje, a posição do Movimento, que João Sequeira Hipólito
sustentava, na fogosidade dos seus «verdes anos» e ciente de que a grande
preocupação devia ser a pregação do «evangelho do Cristo vivo, evangelho total,
evangelho dinâmico, puro e integral», que, como Jesus, é o mesmo ontem, hoje e
eternamente», não era «estrutural», antes reacção à conjuntura adversa pois não
havia lugar para os pentecostais nas organizações já instituídas. Assim se
compreende que a «Assembleia de Deus» ou a «Igreja de Deus», seja apenas um
nome, uma identificação, não uma nova denominação à semelhança dos Baptistas,
dos Metodistas, dos Lusitanos, dos Presbiterianos… Os pentecostais não tinham
uma liga de Igrejas Pentecostais nem pertenciam a uma Aliança de igrejas ou
denominações, pois não encontravam «tais coisas nas Escrituras» nem as
encontrava «nas igrejas primitivas pela mesma razão de não se encontrar no seio
da família entre pai, mãe e filhos».
Despertamento…
Na cidade de Portimão -
silenciados, no essencial, os canhões da guerra que criaram grandes
dificuldades à acção evangelística em Portugal, em especial por ser limitada e
perigosa a deslocação dos missionários do Norte da Europa que davam apoio à
liderança sueca em Portugal – por ocasião da realização da referida VII
Convenção, João Sequeira Hipólito, com o Cine-Teatro a abarrotar, com cerca de
1200 pessoas, todas as que conseguiram entrar, ficando muitas de fora, foi um
dos pregadores «que foram usados pelo Espírito Santo como instrumento condutor
do poder de Deus.»
A
iminente vinda do Senhor…
O receio de João Sequeira Hipólito era não poder chegar
a outros lugares, apesar de percorrer milhares de quilómetros de moto, para
levar o Pão da Vida às almas famintas, uma vez que «a vinda do Senhor será
muito em breve».
(Nota do autor: a questão da vinda
do Senhor iminente era permanente nas reflexões dos obreiros dessa época. João
Hipólito e Alfredo Machado sustentavam que essa vinda dar-se-ia estando eles
vivos e seriam arrebatados com a Igreja do Senhor. Apesar disso, o ensino
ministrado era num sentido «mais equilibrado»: A convicção da iminente vinda do
Senhor era condição para viver alegre e intensamente o evangelho. Não para
desprezar o quotidiano e «fixar» datas que a «antecipasse». Esta atitude poder
levar os crentes, por um lado, a situações de extremismo fanático e a perderem
a esperança quando essas datas se vencem… Por outro, os que têm tal convicção
devem planear e trabalhar olhando para a frente, para um horizonte que pode
estar longínquo, muito para além de várias gerações.)
Arauto
do Senhor…
Esta foi uma forma original de
travar um combate muito exigente contra o modernismo dos jovens, muito mais
sensíveis às mudanças de paradigma social. João Sequeira Hipólito partia do
pressuposto de que a sua autoridade não era contestada, antes mereciam toda a
consideração as palavras que dirigisse aos destinatários imaginários das suas
exortações. Por isso, falaria como arauto do Senhor, como se as suas palavras
fossem tomadas como palavra do Senhor. E preocupava-o o quê, quando pela
primeira vez se dirigiu à Rosinha? Precisamente o impudor dos grandes decotes.
A sedução do mundo, o corpo desnudado a pretexto do calor insuportável daquele
Verão de …
«Rosa, tu és uma flor do jardim
de Deus e a Ele deves agradar. As mangas muito curtas, os grandes decotes e os
tecidos transparentes que descobrem o corpo-templo são modas infernais do
“grande costureiro Satanás”. Tu não deves vestir pelo seu modelo, não deves
andar pelo seu corte, porque todos quantos se têm feito clientes dele despiram
há muito os vestidos da salvação.» De seguida, o suporte bíblico para a
exortação: «As mulheres se ataviem em trajo honesto, com pudor e modéstia… como
convém a mulheres que fazem profissão de servir a Deus… o enfeite delas não
seja exterior… na compostura de vestidos…. Mas no incorruptível trajo de um
espírito manso e quieto, que é precioso diante de Deus, porque assim se
adornavam também antigamente as santas mulheres de Deus…»
A moda…
Contundente, intolerante em
relação à moda como «infiltração mundana que põe em perigo tanto o culpado como
a obra de Deus. Visava essencialmente as mulheres, em particular para avisar as
mulheres pentecostais. Que «não precisavam negar-se como mães, não precisavam
de se masculinizar, pintar-se ou despir-se para ser mulher.» Devia ser «boa e
simples mulher do povo, mulher tão portuguesa» em vias de extinção. Devia ser
mãe sem abdicar da beleza física, sem descurar a educação, sem baixar a viseira
da moralidade, conseguindo isso pelo respeito e pela autoridade, pelo amor aos
filhos e pelo exemplo no porte. «A tua moda é o teu lar, o teu marido, os teus
filhos. O teu universo! Com trabalho, canseiras, renúncias, privações, mas
limpo, honesto e sem máculas. Mulher que não te vendes por um trapo nem te
despes como isca, que mandas ao Diabo os estrangeirismos e a depravação das
modas.» «Como poderá uma crente sincera, humilde e fervorosa, que deseja ser o
exemplo em tudo, apresentar-se no culto para “falar” com o Deus santo num trajo
chamado “unissexo” que praticamente não diferencia o homem da mulher?»
Etc. Etc. Etc.
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