terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Dar o que tem sem olhar a quem...

Sanji era negro, primitivo, praticante dos costumes ancestrais... Nasceu em Chilonda, Bié, há muitos anos atrás, quando a «civilização» ainda estava a «anos luz» dali. Ele foi iluminado e passou a viver em função de valores diferentes, que resultaram da apreensão e compreensão das «palavras de Jesus»... E queria partilhá-las no seio na família, na sua aldeia, no território do seu povo. Mas não foi aceite... Eis um resumo da sua experiência: Sanji foi alvo de intensa perseguição da parte da sua família que, um dia, o abandonou na campina, magoado e sangrando. Foi levado à Missão para ser tratado e, após algum tempo de permanência ali, apareceu, uma manhã, com a mochila atada, pronto para partir. Disse que uma fábula africana lhe viera à mente e lhe movera o coração durante a noite, e que, agora, estava pronto para ir, de novo, comunicar as «palavras de Jesus» aos que o tinham maltratado. A fábula dizia mais ou menos isto: Num ano de seca, quando todos os rios e fontes se tinham secado, os animais da floresta juntaram-se para uma grande conferência a fim de decidir o que haviam de fazer para ultrapassar o problema. Os animais tidos por mais importantes fizeram um grande círculo e declararam solenemente que não se podia fazer nada e que, portanto, todos morreriam... Ao ouvir essa declaração de impotência, uma humilde tartaruga que, vagarosamente, se tinha arrastado para o interior do círculo, disse, com voz roufenha, que não havia necessidade de morrerem porque ela sabia onde encontrar água. O leopardo, que a escutou, atacou-a ferozmente, atirando-a para bem longe dos outros animais, que permaneciam imóveis... Mas a tartaruga não desistiu e lá se ergueu e, arrastando-se novamente até ao meio deles, repetiu, de modo audível: «Eu sei onde há água!» Por sua vez, o elefante, ouvindo-a repetir a mensagem, patenteou a sua indignação contra ela, por se atrever a erguer de novo a voz naquela assembleia de angustiados sem solução e, erguendo a pata dianteira, pisou a tartaruga. A areia do solo era mole e a carapaça da tartaruga dura de modo que, quando o elefante voltou ao seu lugar, a tartaruga levantou-se de voltou para o centro da grande assembleia de animais, repetindo, agora com voz menos audível, a mesma mensagem. Atento, um antílope sedento e sem saída abaixou a cabeça e, quase sem poder pronunciar palavra, por causa da sede, pediu à tartaruga que o levasse ao local onde havia água. E lá foram os dois, ela à frente, devagar, ele atrás, desconfiado, até que, numa caverna subterrânea, o antílope se pôde dessedentar, voltando a correr à chamar os outros animais, ainda reunidos e a lamentar a sua situação. «Portanto», disse Sanji, tranquilamente, aos que o viam partir, «os meus amigos, a minha família, os da minha aldeia podem-me tratar como lhes aprouver, mas tenho que voltar lá, onde estão e donde me expulsaram, porque “eu sei onde há água”.» Pode ser exagero, pode parecer petulante, mas no final do século dezanove, em pleno coração africano, já Sanji sabia que, tendo o melhor, não podia deixar de o partilhar, mesmo com aqueles que lhe fizeram mal. Mais natural seria que voltasse à aldeia, depois de recomposto e livre, para se vingar! Pode ser que, no Natal, alguém queira partilhar o que tem sem «olhar a quem»!

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