sábado, 26 de maio de 2012

Andar sobre brasas queima os pés...

Estava eu nas minhas leituras quando me deparei com o texto seguinte: «Andará alguém sobre brasas, sem que os seus pés se queimem?» Respondi logo: Não! Depois associei a pergunta ao que se vai passando entre irmãos que não são capazes de ter consigo os progenitores, velhos e, na maioria dos casos, doentes, entregando-os ao Lar que estiver à mão, às vezes sem o mínimo de condições para garantir-lhes dignidade. É andar sobre brasas... não dar condições de dignidade aos pais... os pés vão queimar-se, e vão sentir a dor quanto estiverem velhos, certamente doentes, e forem parar a um Lar... Angustio-me com situações assim, de desinteresse, de egoísmo... Às vezes, o que acautela os velhos de danos maiores é o facto de estarem sob a responsabilidade de entidades que praticam o amor. Sim, há instituições onde os utentes são tratados com amor e, quando os filhos não aparecem, se atrasam nos pagamentos ou não pagam, garantem a sua subsistência meses a fio... Fazem-no por vocação mas porque muitas pessoas pagam ou doam alguma coisa para que isso seja possível. Lembrei-me do último caso duma idosa em relação à qual os filhos «queimaram os pés».
Dizia um:
-Na minha casa não fica... Eu trabalho, a minha mulher também...
-Está bem, vem para a minha... mas até arranjar um sítio para onde a leve...- disse o outro.
E, passados uns tempos, lá estava a mãe num Lar de idosos... doente, a perder a memória, a necessitar de todos os cuidados...
-E como é que se paga ao Lar, se a pensão dela é insuficiente? - perguntou o irmão, que a entregara ao Lar, ao outro, que a não pudera ter em casa.
-Pagas tu, que a puseste lá! - respondeu-lhe.
E começou o calvário do Lar: pagamentos insuficientes, fora do prazo, até que cessaram os pagamentos pois o valor da pensão fazia falta ao filho...
-Venham buscar a vossa mãe, uma vez que não pagam e nós não podemos aguentar mais... - clamava o Lar, por escrito, aos filhos.
Nada. E o Lar a garantir alimentação, cuidados higiénicos, medicamentos, fraldas.... e a dívida a subir, subir...
-Venham buscá-la ou paguem, ao menos o valor da pensão dela...
E nada.
Estes casos acabam quase sempre em Tribunal depois da morte dos utentes. Se não pagavam antes, quando os pais estavam vivos, muito menos se disponibilizam a pagar depois deles morrerem.
E ouve-se cada desculpa «esfarrapada» nas salas de audiência: «não paguei porque o meu irmão não pagava», «fiquei com a pensão da minha mãe porque perdi o emprego», «estive doente e precisei do dinheiro da minha mãe»..., «não pagamos porque o Lar nos avisou fora de horas da morte...»... e outras, que, por pudor, me escuso de elencar.
São filhos de «pés queimados», embora ainda não sintam a dor... Mas vão senti-la! Quando forem velhos e forem parar a um Lar... Será menor a dor se ainda houver um Lar que pratique a lei do amor que os receba e os filhos deixarem de pagar, vivendo à custa da pensão com que deviam suportar os cuidados que não quiseram dar aos pais...
Andaram sobre brasas... queimaram os pés!

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