terça-feira, 4 de agosto de 2009

(continuação)

O avanço da erva daninha foi subtil, subreptício, progressivo… Chegou frágil, vinda doutras temperaturas, doutros cuidados, ansiosa por novos terrenos, por outros jardins…Não foi de geração espontânea nem interferiu negativamente na ordem do novo jardim. Tinha um plano de expansão, sim, mas à sombra da rosa, dependendo dela, da sua fragrância, da sua experiência, da sua capacidade de se relacionar com outras plantas, de misturar outros odores… Ah! A erva daninha, duma estirpe híbrida, parecendo útil ao jardim, queria certamente capitalizar a fama da rosa, conhecida ao redor do jardim e muito justamente considerada a rainha das flores. Não se entra num jardim deliberadamente para dar cabo dele! Se esse objectivo se torna visível é o fim da erva daninha: deitam-se-lhe químicos e queimam-se os resíduos. Mas não é verosímil que a erva daninha se torne uma rosa, embora possa, durante algum tempo, apropriar-se da fragrância das suas pétalas e com estas misturar-se, escondendo por instantes a sua verdadeira natureza…

A rosa do jardim das orquídeas não viu mal nos avanços da erva daninha. Deu-lhe de beber, distribuiu com ela o alimento que o cravo dizia ser mais acertadamente empregue em sustentar as outras plantas do jardim…

- Não vês, rosa, como chegou sorrateira a erva daninha, sem saber em que terreno podia agarrar-se, e já lhe deste o húmus com que te alimentas!? – disse um dia o cravo à rosa, vendo como a erva daninha, até ali enfezada, se estendia ao sol do jardim e aparentava ter tanta ou mais beleza que a rosa…

- Não é nada disso… ela gosta do nosso jardim, coitada… só teve, até agora, raízes na aridez do deserto, nas beiras dos caminhos, entre espinhos… Só precisa de aconchego, de estímulo, para crescer e embelezar o nosso jardim sem lhe pertencer… Sim, ali, na periferia, à entrada do jardim, deitará raízes fortes, porque, afinal, com o cacto, pode embelezar os nossos limites, espalhando o bom nome do nosso jardim …. – ripostou a rosa, mais vermelha do que nunca, reflectindo os raios solares daquele dia solarengo.

- Rosa, rosa, tão bela e perfumada! Não há quem tão bem represente o amor neste jardim das orquídeas… Não te esqueças, rosa, que tens espinhos! Não mudas a natureza da erva daninha e ela não quer ser como tu… Só quer a tua beleza, a tua fama… vai alastrar-se para junto de ti e trazer-te sofrimento… não te vão chegar esses espinhos sem uso para repelir quem te quer atraiçoar… – disse o cravo que sabia que a rosa amava e sofria de amor.

Dava a rosa toda a atenção à erva daninha e depositava nela confiança. Não havia razão para duvidar das intenções de quem se mudara para ali e queria ombrear com as plantas do jardim das orquídeas para tornar o sítio mais belo, mais agradável, mais colorido, mais alegre… O problema era a natureza dela, que não mudara, como não mudara a da rosa: esta sempre bela, bem cheirosa, anunciando o amor e o sofrimento que lhe está associado (pétalas e espinhos…); aquela sempre rasteira, a alimentar-se do que não lhe pertencia (o pior é que começou a agir como tudo lhe pertencesse naquele jardim…), apresentando-se como se fosse originária daquele jardim, tão importante como o cravo, a rosa, o jasmim, a açucena, o dedal de dama… Acreditava a erva daninha que, por tanto perto estar da rosa, que cheirava como ela, embelezava como ela, amava como ela, sofria de amores como ela… Mas não!

A erva daninha perdera aquele ar enfezado da chegada e já não falava do terreno árido donde saíra… melhor dizendo, falava mas para dizer que não lhe custara nada a adaptação pois na terra donde viera era tão considerada como as flores de jardim maia conhecidas; não nascera rosa, nem dedal de dama, mas não via diferença, pois num jardim todos têm igual importância e sem o colorido dela (agora falava assim porque as outras flores já a associavam à rosa…) não teria o jardim tão vistoso aspecto.

O espaço para as raízes da erva daninha continuarem a expandir-se era escasso. Já se enrolavam nas raízes da rosa, intrometiam-se nas do jasmim, da açucena e do dedal de dama; só das do cravo não se chegara perto. Queria, na sua desmedida ambição, cobrir o caule da rosa, enrolando-lhe as suas hastes mais viçosas como que querendo abraçá-lo, para depois beijar as pétalas, confundindo-se com ela ou aparecendo em vez dela; porém, queria fazê-lo sem estragos imediatos, aparentando que, com ela, o abraço era cada vez mais apertado e sinónimo de amor sem comparação… O lugar da rosa toma-lo-ia quando ela tivesse perdido as forças a lutar pelo espaço do dedal de dama, há muito o alvo eleito para começar a destruir a harmonia do jardim das orquídeas… Como? Usando o veneno do «eu estava perto e ouvi que as plantas do jardim, sob a orientação do dedal de dama, a combinar que iriam rondar o jardim, cantando e dançando, para assinalar a saída do jasmim, mas ignorando o cacto, que assumira o controlo das entradas do jardim…». Rebeldia, traição, falta de sentido da colaboração que deve existir entre as plantas e desrespeito por aquelas que ultimamente se tornaram mais fortes e mais visíveis, sendo agora quase donos do jardim. Andou a erva daninha a ruminar o discurso, pensando que se dissesse que o dedal de dama era uma flor prendada, mas a seguir insinuasse que não respeitava os mais fortes, querendo ultrapassá-los nas tarefas de manter harmonioso o jardim, diria uma verdade verdadeira e deixaria aberta a ocasião para, mais tarde, injectar o veneno agridoce da perfídia…

(cont.)

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