quarta-feira, 27 de maio de 2020

Recortes de vida 13...

Eu realmente era levado da breca! Veio-te à memória, ainda viva e sadia, graças a Deus, uma cena a que assististe, entre a filha da Serralheira e a mãezinha, por causa da minha «diabrice»; ela queria bater-me por causa do gato pois tinha-lhe pegado pelo rabo e atirado à linha do comboio! Eu fui criado com a avó Conceição desde um mês de idade; antigamente, era assim, quem era operário – com vantagem de já descontar para a Caixa de Previdência, como era o caso, felizmente, da mãezinha - tinha que ir trabalhar ao fim de um mês, depois do nascimento, e a partir dai até ir para a escola fiquei sempre com a avó Conceição! Como também lembraste-te: «Quando nós já morávamos na Estrada Nova, o paizinho ainda não tinha ido a segunda vez para Angola; parece que estou a ver: eu e o paizinho estávamos sentados naquele banco de pedra que tínhamos cá fora; tu entraste, vindo da rua, muito sorrateiro, e entraste em casa sem dizer nada. Diz o Paizinho para mim: “Este fez alguma!” Atrás de ti vinha o pai da Benilde, com ela pela mão, dizendo: “Veja o que o seu filho fez!” Ela trazia um joelho todo esmurrado. Dizia ele: “Tem que dar um correctivo ao seu filho”. Responde o Paizinho, com muita calma: “Se fosse o meu filho que aparece-se assim eu dava-lhe uma boa surra que era para a próxima ele se defender; por isso, ensine a sua filha a fazer o mesmo…” O homem ficou mesmo zangado e saiu porta fora. Diz o Paizinho para mim: “Este já não volta cá mais…” Mas comigo era a mesma coisa; eu que me defendesse se quisesse porque não me podia queixar. Ainda me lembro quando eu fazia alguma e diziam que iam fazer queixa ao meu pai. Eu respondia que estava cheia de medo… Fomos obrigados a resolver os nossos problemas e nós assim fazíamos.» 
Pois é, agora que nos pusemos a recordar temos que reconstruir a nossa história! Tu tens recordações das quais eu não tenho nenhuma referência. Por isso também és mais velha! Lembro-me doutras situações importantes, que vou tentar recordar. Às vezes estou a ler, a trabalhar, a pensar…e ocorrem-me episódios que me comprometo a escrever. Tomo notas em papéis que tenho na ocasião à mão, mas quando as quero… desapareceram os papéis!
Há dias estava a ver televisão. Corria-se a volta à França em ciclismo. Lembrei-me dos meus tempos de criança e das vezes que ia ver os corredores passar na Areosa! O meu ídolo era o Alves Barbosa! Pudera, ele andava sempre com a camisola amarela! Seguramente, fui ver os ciclistas à Areosa, quando ainda andava na escola. Estive a conferir agora e o Alves Barbosa ganhou as voltas a Portugal em ciclismos nos anos de 1956 e 1958. Ou seja, desde os seis ou sete anos que eu gosto de ciclismo! Por isso é que me encanta muito ver a Volta a França em bicicleta, onde participam quase sempre os melhores na modalidade. Mas também me lembro do Ribeiro da Silva, que era famoso ciclista, tanto ou mais que o Alves Barbosa. Conferi agora que ele ganhou as voltas a Portugal em 1955 e 1957. Eram rivais, ele e o Alves Barbosa. A caravana ciclista passava sempre na Areosa, ou para cima, no sentido de Ermesinde, ou para baixo, no sentido da baixa portuense. Lembro-me que os ciclistas subiam a serra de Valongo! Para mim, aquilo era a dificuldade máxima… Coitado, também não conhecia outra serra, por essa altura. Pelo menos não me lembro de ter estado noutra serra tão elevada, embora nas minhas memórias caibam sinais de que estive no Monte de Santa Luzia, em Viana do Castelo, pelo menos… Mas isso não era uma serra, como a de Valongo, que os ciclistas meus favoritos escalavam com toda a coragem e facilidade. Por isso eram os melhores, como o Ribeiro da Silva e o Alves Barbosa. Ir à Areosa era longe que se fartava! Para quem andava a pé e nunca tinha há visto mais mundo, aqueles quilómetros (Três? Menos? Mais? Olha, vi agora, são mesmo cerca de 3 quilómetros: 






8 min, (3,2km),através de R. da Castanheira 





) eram penosos de fazer, em particular porque, para lá, era sempre a subir desde o riacho que corria um pouco abaixo da casa da tia Rosa, onde lavaste muitas vezes a nossa roupa e cujo nome não me recordo. 
O que tinha para mim particular encanto era os eléctricos, que paravam ali. Também passavam os que iam para Ermesinde, Águas Santas… não me lembro mais localidades para onde eles iam quando passavam na Areosa. E a Areosa sem eléctricos, sem aquelas lojas comerciais abertas, onde se vendia tudo, desde roupa, calçado, comida, farmácia, drogaria… acho que naquela rua, para um lado e para o outro da circunvalação, que a atravessava, não falta nenhuma loja de comércio. A nossa meninice não pode ser imaginada sem os carros eléctricos: os que paravam na Areosa, e os que passavam em São Caetano e iam para Sâo Pedro da Cova, Gondomar, Fânzeres, Venda Nova… Pela Areosa ou pela Venda Nova ou São Caetano chegávamos à baixa portuense, ao Bolhão, a Campanhã, ao Bonfim, ao Marquês, à Constituição, à Boavista… O eléctrico, a par do comboio, que nos levava a Campanhã e São Bento, punha-nos em qualquer lado… se tivéssemos dinheiro! 
Não foi só para ir ver os corredores que eu fui tantas vezes à Areosa! Quando fiz onze anos, depois de terminar a quarta classe, o meu primeiro trabalho foi na Boavista. Quando não ia de eléctrico, até ao Marquês de Pombal e depois no da Constituição até à Boavista, ia a pé! Onze anos de idade, lancheira na mão, uma hora e meio de caminho para lá, uma hora e meio de caminho para voltar para casa! Mas disso falaremos noutra ocasião! 
Às vezes também havia ciclismo pelas bandas da Estação, da Igreja, de Baguim do Monte… Lembro-me de me divertir com os rapazes que tinham bicicleta (não eram muitos!) e que andavam lá pela Estrada Nova… alguns até participavam em provas… Nessa altura já devia ser mais crescido. Lembraste quando me ajudaste a aprender a andar de bicicleta!? Nesse dia ia morrendo! O Senhor não quis pois ainda tínhamos muito mar pela frente para navegar!

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