sexta-feira, 20 de maio de 2011

Justiça: sim, foi feita, mas...

Hoje é um daqueles dias em que preferíamos meter a cabeça na areia e não a tirar de lá mais... se isso fosse possível, claro! Andar com ela de fora e «olhar» para a Justiça que se faz (ou não se faz) no nosso país pode constituir um pesadelo diário.
Hoje um cidação foi absolvido da prática de dois crimes que lhe tinham sido imputados na acusação do Ministério Público: condução em estado de embriaguês e sem que tivesse licença que o habilitasse a conduzir. E foi bem (formalmente) absolvido apesar do Tribunal ter dado por provados os factos que lhe eram imputados: um dia, à noite, na AE, embateu em dois carros, que eram os últimos duma fila parada por se estar a prestar assistência aos feridos dum outro acidente que ocorrera momentos antes, mais à frente. Ficou mal tratado o condutor e teve que ser desencarcerado... No Hospital recolheram amostra de sangue para análise e confirmou-se que tinha uma TAS superior a 1,5 mg/l no momento do acidente; à autoridade que apareceu no local do acidente declarou que tinha carta de condução mas nunca a apresentou; os serviços públicos competentes certificaram que, em Portugal, nunca fora emitida licença de condução àquele cidadão...
No inquérito, ouvido o dito cidadão, ele confirmou tudo o que constava no auto de notícia elaborado pela entidade policial e indicou uma nova morada...
Então, sendo assim, perguntarão, qual foi a pena (de multa ou prisão...) que lhe foi aplicada?
Nenhuma! Foi absolvido...
Depois de três anos a gastar dinheiro (vejam só: custo do desencarceramento, assistência hospitalar, exames médico-legais para confirmar a alcoolemia, deslocação das pessoas para depor, pagamento pelo ISP dos estragos causados porque o veículo conduzido pelo dito cidadão seria roubado, trabalhos dos magistrados, dos oficiais de justiça, defensor oficioso..., ficamos todos mais pobres (afinal, directa ou indirectamente, são os nossos impostos que pagam isso tudo...) e...inseguros (então não é terrível saber que há cidadãos que conduzem, sem habilitação, carros roubados e em estado de embriaguês e que nos podem apanhar quando vamos calmamente na via pública a fazer a nossa condução cautelosa, pensando em nós e nos outros e que, no final, nada lhes acontece?).
O tribunal deu por provados todos os factos acusatórios: a falta de carta e a embriaguês. E ainda assim absoluveu o acusado? Sim... por não se ter feito a prova que era ele quem conduzia o veículo...
Mas... isso não é estranho, havendo intervenção de tantas entidades no processo? É! Só que, de acordo com a lei, a prova faz-se na audiência de julgamento. Nesta, o agente da GNR (está já na reserva e não se lembrava de praticamente nada...) não foi capaz de confirmar se o indíviduo que identificara ia ou não a conduzir... (introduzi essa dúvida na instância que lhe fiz...) coitado, só chegou depois do acidente se verificar! A outra testemunha, dona dum dos veículos abalroados, não tinha certeza se ia ou não mais alguém no veículo que lhe embateu e donde saiu alguém todo ensaguentado... Mais: o Tribunal, face à ausência do arguido acusado, embora devidamente notificado para comparecer, decidiu considerar que nao era imprescindivel para o apuramento da verdade a presença dele. Assim, nenhuma testemunha pôde ser confrontado com ele e, eventualmente, reconhecê-lo...
Ou seja, os factos acusatórios não puderam ser imputados ao arguido ausente!
Juridica e processualmente, a absolvição é legal.
Nós ficamos com os encargos da investigação, do julgamento e, ainda, com a certeza que andam por aí uns quantos indívidos a quem a sorte favorece por ineficiência da justiça.
Hoje prefiro meter a cabeça na areia e, enquanto não me esquecer que fundamentei o pedido de absolvição de um cidadão, estrangeiro, que nem sequer conheço e que vou receber do OGE honorários (uma minudência, mas ainda assim o pagamento do meu trabalho...) vou sentir-me... deprimido!
A Justiça, essa, entregue como está ao «desvario legislativo» duns políticos incompetentes, fica a sangrar, de alma atormentada, por já não poder garantir que são sempre condenados os culpados e absolvidos os inocentes... (sempre serão condenados alguns inocentes - o que horrível - e absolvidos alguns culpados (o que gera insegurança...) porque as leis têm destas coisas: tudo investigado, admitido... mas não provado na fase decisiva - o julgamento!
JMM

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