domingo, 19 de setembro de 2010

Letras e Café (ideias. cultura . testemunho

EU CREIO
(Século XXI: afirmação da fé cristã-evangélica)
Letras e Café (ideias. cultura. testemunho)
Participei da iniciativa da Letras d’Ouro do passado dia 18 de Setembro de 2010, no Hotel Ibis Saldanha, Lisboa.
Um dos tópicos da iniciativa Letras e Café referia-se, precisamente, à presentação da obra EU CREIO.
Tendo eu escrito as Notas Editoriais que abrem os dois volumes dessa obra, da autoria de Fernando Martinez, não teria muito mais para dizer sobre ela. Por isso, reflectindo, pensei usar os poucos minutos disponíveis (ainda foram uns vinte…) para introduzir na reflexão algumas notas que podiam, eventualmente, constituir parte significativa da motivação que levou os participantes (cerca de 35) à iniciativa Letras e Café: a prelecção do orador convidado.
Não sabia se ia consegui-lo a contento.
Propus-me tomar como ponto de partida um texto que li, recentemente, e me despertou a atenção… Em resumo, nesses poucos minutos, desenvolvi anotei alguns tópicos, cujo resumo agora partilho neste espaço entre laços d’Ontem.
No início de 1977, dissertando sobre as condições do avivamento da igreja, João Sequeira Hipólito, director da revista Avivamento, «órgão de reavivamento e cristianismo bíblico», escreveu no primeiro número dessa revista (1977) o seguinte: «(…)encontramo-nos num avivamento. A razão porque afirmamos isto é o maravilhoso crescimento desta obra em todo o País. Não temos nenhum chefe religioso, não temos intelectuais entre os nossos pastores, não recebemos auxílio do estrangeiro, não temos apoio das autoridades civis nem a simpatia dos órgãos de informação, mas temos a aprovação de Deus e contamos com a operação do Seu Espírito».
Falava, como era óbvio para os potenciais leitores da Revista, do Movimento Pentecostal das Assembleias de Deus, que eram os cooperadores e os membros das igrejas em geral.
Fernando Martinez era, à época, o Director Adjunto da revista.
No nosso modesto entendimento, o articulista estava enganado. Não quanto ao avivamento. Não quanto ao crescimento da obra. Não quanto à inexistência dum chefe religioso. Provavelmente não haveria auxílio do estrangeiro, nem apoio das autoridades civis, nem a simpatia dos órgãos de informação (admitimos, assim, que estivesse certo quanto a esses tópicos).
Estava enganado quando afirmava não haver intelectuais entre os pastores do Movimento Pentecostal Português porque ele próprio era um intelectual e tinha como adjunto um intelectual de primeira água: Fernando Martinez. Estava enganado porque parecia entender o intelectual como aquele que cultiva preferencialmente as coisas do espírito e do entendimento, sendo essa a forma de se afirmar social e religiosamente.
Seguramente, para nós temos isso por certo, sem intelectuais não se faz a obra de Deus. Com efeito, é preciso reflectir, meditar, ponderar, amadurecer tudo o que interessa à existência humana. É necessário alargar e desenvolver o entendimento sobre o mundo e a relação que com ele estabelecemos.
Mas, em rigor, o que JSH quereria dizer, certamente, era que o avivamento (mais particularmente o reavivamento porque para isso se decidiu pôr de pé essa iniciativa editorial) não era obra do intelectualismo (resultado do pensamento, da razão acima da vontade e da afectividade…)
Fernando Martinez afirmou-se desde os anos 50 do século passado, como um intelectual com uma enorme e clarividente vontade (dar a conhecer os fundamentos do Reino de Deus) e afectividade (que todos os homens sejam salvos).
A obra que a letras d’Ouro publicou pretende ser a demonstração dessa afirmação do autor como intérprete do pentecostalismo nacional, desde os primórdios (ele apanhou o «comboio» em movimento, mas conheceu praticamente todos os «maquinistas» que o trouxeram até à década de 50…)
É verdade que havia censura (a do Estado Novo), é verdade que havia preconceito (a dos evangélicos em geral, que ostracizaram os pentecostais, pondo a nu as suas «doutrinas heréticas» …), é verdade que muitos dos que se salvavam eram iletrados (ainda hoje há pessoas que não sabem ler nem escrever…), mas foi nesse contexto sócio-político-cultural que o autor desenvolveu magistralmente os tópicos fundamentais da doutrina cristã, dando resposta às necessidades espirituais do povo que se alistava n as fileiras avivalistas que cresciam exponencialmente de Norte a Sul do país.
Havia avivamento em 1977? Havia! Estava ele suportado em doutrina conhecida, consistente, que definia um rumo? Estava! As respostas aos problemas espirituais eram inteligíveis? Eram! As doutrinas da salvação, da cura divina, do baptismo no Espírito Santo e outras, também importantes, tornaram-se perceptíveis aos humildes? Sem dúvida.

A obra de Fernando Martinez revela essa intrusão entre as necessidades do povo e a exegese respeitosa dos fundamentos bíblicos. O avivamento assentava nessa base doutrinária confiável e em homens e mulheres que dela faziam o suporte da sua vivência cristã.
E hoje?
Temos resposta para o clamor dos que se querem salvar? (Andam por aí uns a dizer assim e outros a dizer o contrário, ainda que sob a mesma matriz ideológica, e não se vê nenhuma manifestação de preocupação pela incerteza que a contradição teológica, doutrinária acarreta para formação da convicção salvífica…).
Temos resposta para as questões do nosso tempo, ou estamos consumidos pelo efémero que nos mata, pelos protagonismos que pretendem ser «culturalmente relevantes», pela ansiedade de se falar em avivamento sem correspondência no tecido social envolvente?
Como se lida com o individualismo, com o materialismo, com o hedonismo... com tudo que afinal faz a felicidade do momento?
Podemos servir-nos do trabalho (intelectual) reflectido na obra de FM, ou o que ele ensinou sobre a fidelidade conjugal, sobre o valor do casamento entre um homem e uma mulher, sobre o cuidado com as crianças… para responder às questões do nosso tempo, doutras gerações? Ou o avivamento depende agora doutra exegese bíblica, da mudança de atitude face ao que vai por aí (condescendência absoluta com o modernismo, secularismo, intelectualismo…)?
«Eu Creio», tal qual ensinou Fernando Martinez durante mais de 50 anos, vale para mim, procurei que valesse para os meus filhos em vivência consequente…
Pensando mais longe: Vale para o Século XXI? A resposta é afirmativa? Se sim, como se deve apresentar Deus aos que consideram que Ele é um torcionário (subjuga pela tortura da religião, da espada, do medo…)? Como se deve apresentar Jesus àqueles que dispensam a acção de qualquer Salvador (são humanistas, o homem salva-se a si mesmo…)? Como ensinar as Escrituras aos que nelas vêem mais um livro sagrado, entre muitos outros (a Bíblia é tão importante quanto qualquer outro livro…)? Como conservar os valores éticos e morais na sociedade de bem-estar que exige êxito, dinheiro, poder social, domínio sobe os outros (qualquer ética serve, quaisquer valores morais são admissíveis se proporcionarem bem estar económico, social…)? Enfim, como se pode ser cristão e fazer discípulos (vivendo o secularismo da época, adaptando o discurso aos ouvidos talhados por ele, admitindo o que ontem não prestava, sufragando políticas para a família, para as crianças, que são contrárias à orientação bíblica…)?
Estes tópicos bem poderiam servir para uma outra reflexão, em ocasião propícia, mas não servem agora de matriz à que o conferencista convidado nos apresentará, certamente muito mais enriquecedora.

José Manuel Martins

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