quarta-feira, 17 de março de 2010

Correspondência a pretexto de ZAU-ÉVUA

Enviada: quarta-feira, 17 de Março de 2010 13:11
Para: jose-manuel-martins-5621l@adv.oa.pt
Assunto: "Zau-Évua" - Guerra e 'Psicanálise'

Caríssimo JMMartins,

Acabada a leitura, sinto-me mais perto se si. Gostei! Conforme já havia declarado, está cá tudo, em termos de vivências em campanha. Mas está também muito mais: a clareza do discurso; transparência e preocupação com a verdade; a busca de uma filosofia de vida que cresce com a religião mas não a transcende; humor e senso poético nos momentos certos; silencioso sofrimento nas reflexões íntimas.

Contudo...

... o simples facto de você ter tornado públicos alguns desabafos tão pessoais deixa-me o 'direito' de acrescentar algo mais - é você mesmo quem escreve (pág.129-"Eclesiastes") que "(...)Há o tempo(...)de calar e o tempo de falar(...). Por isso eu falo, mas antes vou respigar aqui o que, nem que a propósito, você escreveu e eu quero destacar (pág.s 114/115): - "(...)Adormeci, entretanto, e sonhei(...)acordei perturbadíssimo(...)autêntico pesadelo, um teste às minhas convicções pessoais relativas ao destino dos mortos(...)Parecia tratar-se duma segunda oportunidade para reatarmos o convívio(...)Ainda tentei perguntar-lhe por onde tinha andado(...)Apesar do sonho, sabia muito bem que ele já não estava connosco fisicamente e também não podia comunicar com os vivos(...)O sonho trouxera para o presente a realidade vivida. Mas não podia representar absolutamente nada contra as minhas convicções(...?!)".

Que 'convicções'?? Quem pode garantir-lhe que esse 'sonho' não foi um fenómeno bem real? Para si, não pode ser real porque acredita que do inconsciente profundo só nascem mistificações (fantasias, criações anímicas formadas à volta do quotidiano)... ou o sonhado não pode ser real apenas porque vai contra as suas 'convicções'?

Quem sabe quanto de verdade se inscreve nesta sua frase: "Parecia tratar-se de uma segunda oportunidade para reatarmos o convívio"... Quanto a mim, parece ter sido mesmo uma segunda oportunidade, e é isso que o meu caro Dr. devia valorizar em vez de abafar. Porquê rejeitar a ideia que primeiro lhe surgiu (a de 'uma segunda oportunidade') só porque as suas 'convicções' não lho permitem? Tem medo de quê? Acreditar cegamente no que não se conhece ou exercer o livre arbítrio para descobrir realidades próprias de uma outra dimensão da existência é escolha de cada um, é da sua exclusiva responsabilidade. Acontece que no campo do Pensamento não podem ser impostas proibições. O Criador não o permitiria, que isso só iria embaraçar a marcha da própria evolução espiritual. Talvez por isso, lá no fundo, a velha dúvida ainda mexe, né?...

As suas 'convicções' não foram 'criadas' por si. Como tantos outros, você 'herdou-as'.

Foi por eu mesmo não me conformar com o que me era imposto (a 'herança') que decidi ir mais longe, tentando perceber um pouco do que se passa no universo espiritual (a outra 'dimensão'), e descobri, há já uns bons anos, que tal conhecimento é muito mais útil e gratificante que as 'verdades' dogmáticas que proíbem o exercício daquilo que de mais precioso Deus nos deu: a Inteligência. É também por isso que o romance que agora comecei vai ter por título e subtítulo:"ALÕÕÕ, ESTÁ ALGUÈM AÍ...? - Crónica do Morto".

Vamos, não se ria que o assunto é sério...

Perdoe-me, caro Martins, a 'injecção' que acabo de dar-lhe. A intenção é boa, ainda que o resultado possa ser nulo.

Desejando-lhe tudo de bom, mais um abraço do

***

Respondi:

Conheço o tema, as «dificuldades» que representa, mas «fiquei-me», há muito tempo, pelo comodismo que a «inteligência» me ditou, à sombra duma experiência intrinsecamente cristã.

Não me creia sectário. Estou, como sempre estive, aberto ao conhecimento, mas não às experiências doutros «mundos espirituais».

A sua «injecção» tem substância mas não é... «curativa»! Prefiro vir a «morrer» da minha «doença» (também se «herdam» doenças...).

Lerei com muito gosto a sua próxima obra, ainda que o cronista esteja morto!

Um abraço.

***

A parte da minha obra Zau-Évua, donde este leitor extracta o texto que suporta a sua reflexão, consta do capítulo 37 Sonhos E Realidades. As dimensões espirituais em que ele se revê, resultado da procura da sua inteligência activa, rica, exercitada, ocupam o «campo da separação», o «campo» longe de Deus. Lendo essa parte de Zau-Évua fica claro que eu me fixo na dimensão espiritual cuja vivência pressupõe a «presença» de Deus.

José Manuel Martins

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