terça-feira, 28 de julho de 2009

Veneno agridoce

Veneno agridoce (parte cinco)

Decorreram entretanto cerca de três anos, mas tenho o acontecimento presente com bastante nitidez. Algo se passava de anormal na Liga dos Amigos do Hospital de São Bernardo, em Setúbal, que suscitou o interesse dos órgãos de comunicação social, designadamente da TV. Vi uma reportagem na TVI na qual, no essencial, se dava conta que os associados estavam desavindos por causa dos resultados do processo eleitoral para os novos corpos sociais. Os que ocupavam os cargos não reconheciam os resultados (tinham perdido, claro!), e os que ganharam as eleições queriam tomar posse e aceder aos bens da Associação. A razão por que retive o teor da notícia tem a ver com o insólito da mesma e com a identidade de um dos protagonistas do caso. A notícia, porém, não foi muito longe na análise do caso, mas deu para entender que havia procedimentos judiciais em curso ou em vias disso. Por essa altura contactou-me aquele que fora o presidente da Mesa da Assembleia-Geral e, até há pouco tempo, amigo e o apoiante número um do presidente da Direcção derrotado. Contou-me o enredo da história, sórdido, por sinal, vergonhoso para os perdedores (versão dele, que aceitei como verdadeira, parecendo-me verosímil comparando com o que conhecia da actuação anterior, noutras situações, do tal protagonista derrotado), querendo o meu patrocínio. Recusei-lho por não me querer envolver profissionalmente num caso que podia ter repercussões na minha vida pessoal, particular, o que é sempre negativo (todas as causas que abraçamos acabam por ter, mais ou menos, influência no nosso círculo social e familiar, mas têm-no, à partida, aquelas em que as partes envolvidas mediatizam o assunto, dão entrevistas, aparecem na TV, usam-na para atirar pedras…)

Ou seja, estive momentaneamente no «centro» da questão, mas saí dele logo que a comunicação telefónica terminou. Nunca mais pensei no assunto, nem nas pessoas envolvidas, nem na existência de eventuais demandas, nem no desfecho delas. Nada. Acabou. Só que…

Recebi uma carta dum distinto colega, advogado com escritório em Lisboa, que, reportando-se a uma causa que eu patrocinara (cf. parte três) me dizia, entre outras coisas, o seguinte: «Acontece, porém, que decorridos estes seis anos e a propósito da eleição dos Corpos Gerentes para a Liga dos Amigos do Hospital de S. Bernardo, V. Exa. voltou a desencadear uma campanha vergonhosa contra (…), como homem de prestígio na Sociedade Civil e Religiosa que superou “Os Velhos do Restelo”, ultrapassou os umbrais da história e a quem a cidade (…) muito deve». Depois passava à ameaça, cujos termos me dispenso de enumerar, por rasteiros, injustos, pouco próprios.

Pois é! Há pessoas que por dever de ofício falam (escrevem até…) muito sobre o interior ferido, a alma doente, a necessidade de perdoar e avançar. Mas é discurso! Se lhes toca, agem como quaisquer outros, seguem os mesmos caminhos, abdicam da racionalidade, do bom senso, da verosimilhança e objectividade dos factos! Num dado momento confundiram tudo: confrontados com as suas próprias falhas, com a desarmonia gritante entre o discurso grandiloquente e as misérias morais próprias (quase sempre disfarçadas ou justificadas), com a crueza das decisões que directamente lhes apontam as mazelas, guardaram rancores contra simples profissionais que foram agentes doutrem, que os queriam desmascarar, e fizeram-nos protagonistas da maldade logo que lhe foi possível! O veneno agridoce do desejo de desforra que vai matando quem o aloja, que visa maltratar (matar até…) quem esteve na origem dele.

Como quem se cala ou não sente ou não é filho de boa gente (é assim que diz o provérbio popular?), eu senti o efeito da injúria, do veneno servido frio, calculista, guardado para o pretexto, e reagi. Mas coloquei a mim próprio um limite: não gasto nem um tostão com a Justiça e conformar-me-ei com todas as primeiras decisões que apreciarem o assunto. Não paguei taxa de Justiça no inquérito criminal que iniciei, por meio de queixa, e assim o processo foi para o arquivo com a indicação de que, pelo menos em relação ao arguido advogado (quanto ao outro, que disse não ter nada a ver com o assunto… embora o advogado tenha escrito a tal carta em sua representação…nada se indiciou), havia fortes indícios de ter cometido um crime de injúria. Mas ainda está de pé a Justiça disciplinar, tendo sido ordenado, após inquérito, a instauração de processo disciplinar por haver indícios de que terá violado o dever de integridade, de urbanidade, correcção, de não fazer ataque pessoal, alusão deprimente ou crítica desprimorosa…

Não bastaria um contacto pessoal para perguntar: «Ó fulano, você tem alguma coisa a ver com o que se está a passar? Olhe que eu sei, sei aquilo… É verdade ou não?». Procurar a verdade e agir em função dela é dever elementar para quem apenas sabe da vida o que esta, aos coices, lhe ensinou, quanto mais para quem tem «prestígio na Sociedade Civil e Religiosa (…) e ultrapassou os umbrais da história».

Do meu lado está tudo certo. Cumpri o meu dever, patrocinando os interesses que me confiaram. Isso pôs em causa o «estatuto moral» de alguém? Pois então o problema transcende-me. E nem sequer me sinto responsável pelo veneno gerado, que, pelos vistos, só estará à espreita duma nova oportunidade (convém que, agora, o contexto em que se manifestar tenha verosimilhança e pernita o efeito do veneno, com danos e tudo…) para se manifestar em gestos de vindica… Se dependesse de mim, dar-se-ía cabo da fonte que alimenta o veneno… Só que ele continua a ser portador dessa vertente «saborosa» que se alimenta do desejo de vingança gratuita…

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