quinta-feira, 11 de junho de 2009

Um guia cego

Não foi por vista que o homem aderiu. Ele era literalmente cego e, por isso, só podia ser cativado se ouvisse.

No ano de 1951, vivia o homem nos arredores da Gabela, ainda jovem, solteiro, quando lhe surgiram no caminho os pregadores duma Boa Nova, um português, jovem, outra americana, mais experiente, os quais tinham em comum um interesse especial em comunicar com o povo das redondezas do Quirimbo, se possível chegando a todas as pessoas do Cuanza-Sul.

Deviam ensinar a ler e escrever, antes de caquetizar; deviam abrir a escola, antes do templo; preparar para o exame, antes de os levar ao baptismo. Mas isso demorava mais tempo... Decidiram fazer tudo ao mesmo tempo.

Em geral, ela, abordava as mulheres, com sotaque estrangeiro, logo pela manhã, atraindo-as para as portas abertas da Escola da Missão. As mulheres não queriam tanto saber ler e escrever, mas obter resposta para aquela questão difícil de saber o que é que uma mulher branca, jovem, estrangeira, estava ali a fazer à hora do sol nascer, quando todas iam para o rio lavar a roupa da família inteira.
Ele abordava os homens na sanzala depois delas terem dito que gostaram de ouvir a estrangeira dizer que estava ali para lhes falar do amor de Cristo, para ensinar as crianças, que deviam mandar à escola da missão...

Mas ao cego teve que ser ela, a missionária, a completar a formação. O missionário falara, o cego ouvira, ouvira, mas o missionário tinha que ir falar a muitos outros homens. O cego, porém, queria ouvir mais, cada vez mais, queria saber tudo acerca de Jesus, de quem lhe falara o missionário...

Foi ela, a missionária, que lhe ensinou a usar um gramofone e lhe emprestou alguns discos com sermões gravados. Na terra dela, do outro lado do Atlântico, nos anos quarenta, já era possível ouvir a leitura das Escrituras Sagradas num simples gramofone!
Ai, ai, meu Deus, que revolução se deu na vida do jovem Edgar Cardoso, ignoto indivíduo duma das aldeias à volta da Gabela!
Era vê-lo, junto dos seus irmãos, falando-lhes como se tivesse aprendido tudo o que sabia nas melhores escolas de formação de líderes...
Pouco tempo depois, já casado, o missionário foi deixá-lo ao Ebo, cego de vista mas interiormente iluminado pelas palavras que ouvira no gramofone...

Recordei-me dele, do cego, por causa da vida do missionário, de quem tenho que falar amanhã. Ficou-me do seu exemplo a vontade de saber para ensinar, de receber para dar, de lutar para vencer, de semear para colher...

Não conheço cego que tenha orientado tantos milhares de pessoas por aquilo que ouviu num...gramofone!

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